O Yorùbà e o Candomblé
O  Candomblé, em sua essência Yorùbá foi deturpando-se no geral com o  passar dos séculos, desde a chegada dos primeiros negros oriundos da  África, particularmente da Nigéria e do Dahomé (atual República Popular  de Benin), sendo que os de origem Yorùbá foram dos últimos a chegarem ao  Brasil, já próximo ao término da escravidão. 
Por  sua diferença de maneiras (embora se diga que não) foram aproveitados  em grande número como escravos domésticos, pois eram considerados mais  refinados. Mas, com a sua adaptabilidade do tão conhecido jeitinho  brasileiro, moldou-se segundo a nossa personalidade, adaptando-se e  forjando-nos como afro-brasileiros para nos classificarmos, se assim se  pode dizer.
A  nossa religião é uma das mais belas e originais manifestações de  espiritualidade, com um vasto e riquíssimo naipe de nuanças, com  personalidade, feição e expressão próprias, traduzidas em linguagem  também própria e particularizadas, apesar de variada. 
A  linguagem oral: através da qual se expressam os orins (cânticos),  àdúràs (rezas), ofós (encantamentos) e oríkìs (louvações). É através  dela que se conversa com os Òrìsà. 
Nossa  religião é eminentemente de transmissão oral, e a despeito disso,  preservaram grande parte dos seus rituais, cânticos e liturgia com sua  língua litúrgica falada quase que fluentemente em seu bojo, pelas  pessoas mais proeminentes, mas, infelizmente, em número bem restrito. 
A  língua oficial nos cultos Kétu, Ègbá, Ifón e Ìjèsà é o Yorùbá, que  apesar disso é também muito utilizada nos cultos de origem Angola e  Jeje, que são oriundos de países e culturas diferentes. 
             Apesar de pouco conhecido pela grande maioria dos adeptos da religião, o  Yorùbá é amplamente falado de maneira empírica apenas mecânica e  meramente mimética, repetindo-se o que foi dito e decorado  anteriormente. 
Diz  algumas pessoas, que o Yorúbá é uma língua morta e está para o culto  aos Òrìsà assim como o Latim está para o Catolicismo. Mas isso é um  engano, o Yorùbá é uma língua viva e dinâmica e é falado ainda nos dias  atuais por cerca de 20 a 25% da população da Nigéria e possui elevado  número de dialetos, cuja língua oficial é o Inglês, introduzido ali  pelos colonizadores. 
             No Benin, são mais ou menos 20 a 25% também de sua população, dentre  outros tantos dialetos, que falam o Yorùbá como sua primeira língua ou  segunda, dependendo do aculturamento. 
             O Yorùbá é a primeira língua de aproximadamente 30 milhões de africanos  ocidentais, e é falada pelas populações no Sudoeste da Nigéria, Togo,  Benin, Camarões e Serra Leoa. 
A  língua também sobreviveu em Cuba (onde é chamada de Lukumi) e no Brasil  (onde é chamada Nagô), termo que inicialmente era usado  pejorativamente, querendo significar "gentinha, gentalha, ralé". 
À  parte de vários dialetos, existe o Yorùbá padrão, que é usado para  propósitos educacionais (ex. em jornais, revistas, no rádio, TV e em  escolas). Esta forma padrão é compreendida por oradores dos vários  dialetos que atuam como tradutores do Yorùbá oficial para o dialetal e  vice-versa. 
No  Brasil o interesse pelo Yorùbá dá-se principalmente entre as pessoas  adeptas da Religião dos Òrìsà, que recebe o nome genérico e popular de  Candomblé, não importando a origem, se Yorùbá, Fon (Jeje) ou Bantu  (Angola). 
             O Candomblé nasceu da necessidade dos negros escravos em realizarem  seus rituais religiosos que no princípio eram proibidos pelos senhores  de escravos. E para burlar essa proibição, os negros faziam seus  assentamentos e os escondiam, preferencialmente fazendo um buraco no  chão, cobrindo-os e por cima colocavam uma imagem de um santo católico.  Então eles cantavam e dançavam para seus Òrìsà, dizendo que estavam  cantando e dançando em homenagem àquele santo católico; daí nasceu o  sincretismo religioso, que foi abandonado mais tarde pela maioria dos  adeptos do Candomblé tradicional, com o "término" da escravidão e mais  concretamente quando o Candomblé foi aceito como religião com a  liberdade de culto garantida pela Constituição Brasileira. 
À  primeira vista para os leigos, o Candomblé é uma coisa só. Mas, não é  bem assim. Existem vários grupos, onde o mais expressivo, sem dúvida, é o  grupo Yorùbá (na atualidade). Na época do tráfico de escravos, vieram  muitos negros oriundos de Angola e Moçambique: os Bantos, Cassanges,  Kicongos, Kiocos, Umbundos, Kimbudos, de onde se originou o “Candomblé  Angola”, facilmente reconhecido por quem é da religião, pela maneira  diferente de falar, cantar, dançar e percutir os tambores, o que é feito  com as mãos diretamente sobre o couro com ritmos e cadências próprios,  alegres e ligeiros. 
É  o Candomblé de onde se originou o Samba, que tomou emprestado o próprio  nome, que em Kimbundo significa "oração". É também origem do "Samba de  roda", que era feito como recreação, principalmente pelas mulheres, após  os afazeres rituais, dançando e cantando dizeres em sua maioria jocosos  e galhofeiros. Mais tarde assimilado pelo Samba de Caboclos, aí já em  sua versão mais “abrasileirada” como um culto ameríndio que era feito  pelos Caboclos, neste momento incorporados em seus "cavalos" e já em  idioma aportuguesado com versos chamados de "sotaque". Isto, porque  quase sempre eram parábolas ou charadas que poucos entendiam, muito em  voga ainda hoje. 
Acha-se  que este Samba de Caboclos foi o embrião da Umbanda, onde nasceu o  culto aos Òrìsà cantado e falado em português, fazendo assim a  nacionalização dos Òrìsà africanos, que algumas pessoas faziam objeção  por ter uma língua estrangeira não bem aceita pelos já nascidos  brasileiros e que foram perdendo os conhecimentos da língua ancestral,  principalmente por causa do analfabetismo.  
A  Umbanda é a mistura do culto aos Òrìsà, do Catolicismo e do Kardecismo,  resultando numa religião Brasileira, que hoje em dia é até exportada  para os países vizinhos, principalmente os do cone Sul, como Argentina,  Paraguai e Uruguai, onde existem até confederações de Umbanda e onde o  Brasil está para eles, assim como a África está para nós.  
A  origem da força cultural Yorùbá foi demonstrada em uma das guerras  havidas entre o Dahomé e a Nigéria, mais ou menos do meado para o final  do século dezesseis, em que o Estado de Kétu teve praticamente metade do  seu território anexado ao Dahomé como espólio de guerra, após sua  população, juntamente com a de Meko, ter sido saqueada e parte dela  capturada como escravos perdurando essa anexação militar até os dias  atuais. 
             Como resultado dessa guerra, muitos foram capturados de ambos os lados,  e foram vendidos aos portugueses como escravos. Foi quando, já ao final  do século, começaram a chegar tantos os escravos de origem Ewe-Fon,  conhecidos popularmente por Jejes, oriundos do Benin, antigo Dahomé, que  foram capturados pelos Yorùbá, como recíproca dos Yorùbá capturados  pelos Ewe-Fon, também vendidos como escravos. Os Yorùbá em sua maioria,  eram oriundos de Kétu, o território anexado. Mas, também vieram negros  trazidos de outras áreas Yorùbás como Òyó, Ègbá, Ilesá, Ifón, Abeokutá,  Irê, Ìfé, etc.  
Estes  dois grupos (Jeje e Yorùbá) quando chegaram ao Brasil, continuaram  inimigos ferrenhos e não havia hipótese de um aceitar o outro. Mas, eram  indivíduos de tradições sociais religiosas tribais e não podiam  sobreviver sozinhos. Então procuraram unirem-se em virtude da condição  cativa de ambos. Essa união era difícil tanto pela barreira do idioma,  pois eram vários e diferentes em dialetos, quanto pelo ódio que alguns  nutriam contra os outros. Do que os senhores de escravos e feitores se  aproveitavam em tirar proveito para fomentar mais ainda a animosidade  entre eles. Pois, os senhores de Engenho, principalmente, temiam a união  do grande número de escravos, o que certamente poderia colocar em risco  a segurança dos brancos. Então, quando eles permitiam que os negros se  reunissem no terreiro para cantar e dançar, estimulava-lhes a que  fizessem "rodas" separadas, somente com seus compatriotas, onde os Kétu  não misturavam-se aos Jejes nem Bantu e assim também os outros faziam o  mesmo eles próprios com relação aos outros. Mas, com o tempo essa tática  foi deixando de dar certo, porque os negros entenderam que sua maior  fraqueza era a sua própria desunião, e resolveram se unir para facilitar  um pouco à sobrevivência, unindo-se contra o inimigo comum, isto é, o  branco. Isso é mais evidenciado com a instituição dos quilombos, que  eram focos de resistência dos negros fujões, e que não se curvavam à  escravidão.    
Na  nossa religião nós cantamos, oramos e, até dialogamos em Yorùbá com  pequenas frases e termos usuais do dia-a-dia nas casas de culto com a  assimilação de um até vasto vocabulário, se levarmos em consideração as  condições em que se deu a preservação disto.  
             É de suma importância às linguagens da nossa religião, sobretudo, a  oral porque a entendendo, entenderemos os rituais e poderemos nos  comunicar com os nossos Òrìsà e Ancestrais, através da palavra. 
             Se não souber falar Yorùbá a pessoa falará aos emane em português  mesmo, os Òrìsà ouvirão e atenderão da mesma maneira. O que é mais  importante é a fé e a sinceridade com que nos dirigimos a eles. Contudo,  se nos comunicamos em Yorùbá é muito mais gratificante a emoção que  sentimos ao saber que o fazemos da mesma maneira que os nossos  Ancestrais faziam há vários séculos atrás em nossa língua mãe religiosa.  
             Então, nós louvamos, elogiamos, exaltamos, enaltecemos os imalè no  culto aos Òrìsà, no Candomblé, de acordo com a herança a nós legada  pelos nossos antepassados, negros oriundos de vários lugares d'África,  atravessando os séculos e chegando até nossos dias. As cantigas são um  modo de enaltecer e glorificar fatos e feitos relacionados com  determinado Òrìsà, reportando-se à mitologia daquele Òrìsà. 
             Louvar é: elogiar, dirigir louvores, exaltar, enaltecer, etc. Isto nós o  fazemos diuturnamente no culto aos Òrìsà, de acordo com a herança a nós  legada pelos nossos ancestrais negros que nos ensinaram como fazê-lo  através dos séculos desde então, da mesma maneira como eles o faziam.  Essas maneiras são variadas e diversas, embora, aos olhos do leigo,  possa parecer tudo a mesma coisa. 
Dessas  maneiras, a mais popular é o ORIN (a cantiga-música). Com ela nós  louvamos qualquer orixá ou imalè (espíritos). As cantigas são modos de  enaltecer e glorificar os fatos e feitos relacionados a determinado  Òrìsà ou imalè, reportando um acontecimento ligado à mitologia daquele  Òrìsà. 
Portanto,  aprender a cantar corretamente e rezar para louvar os Orisá faz-se  necessário, inclusive para um maior conhecimento e entendimento das suas  lendas. 
Fonte:Texto de Altair T’Ogun
Adaptado por Babalorixá Fábio Ti Sangó (Obagodô)