quinta-feira, 28 de julho de 2011

E assim...foi inventado o Candomblé...




No começo não havia separação entre
o Òrun, o Céu dos Òrìsás,
e o Àiyé, a Terra dos humanos.
Homens e divindades iam e vinham,
coabitando e dividindo vidas e aventuras.
Conta-se que, quando o Òrun fazia limite com o Àiyé,
um ser humano tocou o Òrun com as mãos sujas.
O céu imaculado do Òrìsá fora conspurcado.
O branco imaculado de Obatalá se perdera.
Òsáàlá foi reclamar a Olòrun.
Olòrun, Senhor do Céu, Deus Supremo,
irado com a sujeira, o desperdício e a displicência dos mortais, soprou enfurecido seu sopro divino
e separou para sempre o Céu da Terra.
Assim, o Òrun separou-se do mundo dos homens
e nenhum homem poderia ir ao Òrun e retornar de lá com vida.
E os Òrisás também não podiam vir à Terra com seus corpos.
Agora havia o mundo dos homens e o dos Òrìsás separados.
Isoladas dos humanos habitantes do Àiyé, as divindades entristeceram.
Os Òrìsás tinham saudades de suas peripécias entre os humanos e andavam tristes e amuados.
Foram queixar-se com Olòdùmàré, que acabou consentindo que os Òrìsás pudessem vez por outra retornar à Terra.
Para isso, entretanto, teriam que tomar o corpo material de seus devotos.
Foi a condição imposta por Olòdùmàré
Òsún, que antes gostava de vir à Terra brincar com as mulheres,
dividindo com elas sua formosura e vaidade,
ensinando-lhes feitiços de adorável sedução e irresistível encanto,
recebeu de Olòrun um novo encargo:
preparar os mortais para receberem em seus corpos os orixás.
Òsún fez oferendas a Esù para propiciar sua delicada missão.
De seu sucesso dependia a alegria dos seus irmãos e amigos Òrìsás.
Veio ao Àiyé e juntou as mulheres à sua volta,
banhou seus corpos com ervas preciosas,
cortou seus cabelos, raspou suas cabeças,
pintou seus corpos.
Pintou suas cabeças com pintinhas brancas,
como as pintas das penas da Konkén,
como as penas da galinha-d’angola.
Vestiu-as com belíssimos panos e fartos laços,
enfeitou-as com jóias e coroas.
O ori, a cabeça, ela adornou ainda com a pena ekodidé,
pluma vermelha, rara e misteriosa do papagaio-da-costa.
Nas mãos as fez levar abebés, espadas, cetros,
e nos pulsos, dúzias de dourados idés.
O colo cobriu com voltas e voltas de coloridas contas
e múltiplas fieiras de búzios, cerâmicas e corais.
Na cabeça pôs um cone feito de manteiga de ori,
finas ervas e obi mascado,
com todo condimento de que gostam os Òrìsás.
Esse osú atrairia o òrìsá ao ori da iniciada e
o òrìsá não tinha como se enganar em seu retorno ao Àiyé.
Finalmente as pequenas esposas estavam feitas,
estavam prontas, e estavam odara.
As Ìyáwos eram a noivas mais bonitas
que a vaidade de Òsún conseguia imaginar.
Estavam prontas para os deuses. 
Os Òrìsás agora tinham seus cavalos,
podiam retornar com segurança ao Àiyé,
podiam cavalgar o corpo das devotas.
Os humanos faziam oferendas aos òrìsás,
convidando-os à Terra, aos corpos das ìyáwos.
Então os òrìsás vinham e tomavam seus cavalos.
E, enquanto os homens tocavam seus tambores,
vibrando os batás e agogos, soando os sekeres e adjás,
enquanto os homens cantavam e davam vivas e aplaudiam,
convidando todos os humanos iniciados para a roda do sirè, os Òrìsás dançavam e dançavam e dançavam.
Os òrìsás podiam de novo conviver com os mortais.
Os òrìsás estavam felizes.
Na roda das feitas, no corpo das ìyáwós, eles dançavam e dançavam e dançavam.
Estava inventado o Candomblé...

(“E foi inventado o candomblé... Mito corrente em terreiros de nagô do Recife e terreiros queto do Rio de Janeiro e de São Paulo. Fragmentos em Arno Vogel et alii, 1993, pp88, 105, 113.)

Òrìsá Oko - O Deus da Agricultura


Oko é o Òrìsá da agricultura. Está ligado à colheita dos inhames novos e a fertilidade da terra. Òrìsá Nagô, pouco conhecido no Brasil. Na época em que os escravos chegaram, não deram muita importância a este Òrìsá, afinal, ele regia exatamente as plantações, que eram de propriedade de seus Senhores e malfeitores, que os obrigavam a grandes sofrimentos nas lavouras. Por ser da agricultura, se alia a Ògún, pois Òrìsá Oko, é o grande rezador e plantador, com suas idéias sobre plantação, colheita e lavoura, e Ògún, traz as suas ferramentas para ajudar a cavar a terra, o arado, o machado, a foice e a enxada. Okô tem o poder de curar a malária, à qual estão expostos aqueles que lidam com agricultura. É árbitro de conflitos, especialmente entre mulheres, e não raro, juiz das costumeiras disputas entre os Òrìsás. Na época da colheita do inhame, ninguém comia o inhame novo sem antes fazer uma festa para Oko. Na África, nas suas festas, se cozinha todo tipo de vegetais, que são colocados nas praças e ruas para que todos se sirvam. Ele traz um cajado de madeira que revela sua relação com as árvores, além de uma flauta de osso que lembra sua relação com a sexualidade e a fertilidade. É confundido com Òsáàlá, pois ambos vestem o branco. Seu cajado, no Brasil, é confeccionado em madeira. Sendo um Òrìsá raro, tem poucas qualidades conhecidas. Seu nome vem do yorubá, e significa Òrìsá da Palavra. É representado por uma estátua de madeira provida de um imenso falo. Além do cajado e da flauta, traz uma chibata de couro e uma faca com fileira de búzios. Na África usam uma barra de ferro como símbolo. Possui o título de Eni Duru, aquele que é erigido, personagem em pé, referência a seus atributos fálicos. Suas comidas devem ser brancas como o akasá de Òsáàlá. O inhame, cozido em fatias com mel, e canjica branca também com mel. Não aceita dendê.
Uma bandeja de madeira contendo côco, cana de açúcar, milho, inhame, todos os produtos da terra, todos crus, como oferenda. 

Itan de Òrìsá Oko

Òrìsá Oko cria a agricultura com a ajuda de Ògun

No princípio havia um homem que se chamava Oko.
Mas Oko não fazia nada o dia todo,
não havia o que fazer, simplesmente.
Quando os alimentos na Terra escassearam,
Olorun encarregou Oko de fazer plantações.
Que plantasse inhame, pimenta, feijão e tudo mais que os homens comem.
Oko gostou da sua missão, ficou todo orgulhoso,
mas não tinha a menor idéia como executá-la.
Até que viu, debaixo de uma palmeira, um rapaz que brincava com a terra.
Com um graveto ele revolvia a terra e cavava mais fundo.
Oko quis saber o que fazia o rapaz.
"Preparando a terra para plantar, para plantar as sementes que darão as plantas", explicou o rapaz de pele reluzente.
"Que sementes , se nem plantas ainda há?!", perguntou, incrédulo, Oko.
"Nada é impossível para Olòdùmàré", foi a resposta.
Começaram então a cavar juntos a terra.
O graveto que usavam como ferramenta quebrou-se e passaram então a usar lascas de pedra.
O trabalho, entretanto, não rendia e Oko saiu à procura de alguma maneira mais prática.
Outro dia, quando Oko voltou sem solução, o rapaz tinha feito fogo, protegendo-o com lascas de pedra.
Viram então que a pedra se derretia no fogo.
A pedra líquida escorria em filetes que se solidificavam.
"Que ótimo instrumento para cavar!", descobriu efusivamente o inventivo rapaz.
Ele pôde então usar o fogo e fazer lâminas daquela pedra, e modelar objetos cortantes e ferramentas pontiagudas.
Ele fez a enxada, a foice, e fez a faca e a espada e tudo mais que desde então o homem faz de ferro para transformar a natureza e sobreviver.
O rapaz era Ògún, o Òrìsá do ferro.
Juntos revolveram a terra e plantaram e os alimentos foram abundantes.
E a humanidade aprendeu a plantar com eles.
Cada família fez a sua plantação, sua fazenda, e na Terra não mais se padeceu de fome.
E Oko foi festejado como Òrìsá Oko, o Òrìsá da fazenda, da plantação.
E Ògún e Òrìsá Oko foram homenageados e receberam sacrifícios como os patronos da agricultura, pois eles ensinaram o homem a plantar e assim superar a escassez de alimentos e derrotar a fome. 









Fonte: Juntos no Candomblé
Mitologia dos Orixás - Reginaldo Prandi 

terça-feira, 26 de julho de 2011

Poema Ewi por Adiodun Adepoju

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Poema inteiro, 1,4 MB. Au



OLOMO LO LAIYE
EDUMARE WA WA FUN LOMO AMUSEYE
OMO TII TOJU ARA
TII TOJU ILE
TII TOJU BABA
FUN WA LOMO ATATA
TII Munu IYA DUN.
OMO TITUN TO WA SILE AIYE
OBI ORE ATOJULUMO
E MA KU ALEJO OMO TITUN
OROGBO LO NI KOO GBO SAIYE
KOO GBO Pelu DERA.
OMO OWO KII KU LOJU OWO
BEE OMO NI KII KU LOJU ESE ESE
OMO WA O NII KU
TIYIN NAA O NI DAGBEGBIN BI ISU
ODOODUN LA NROROGBO
ODOODUN LA NRAWUSA
ODOODUN LA NROMO OBI LORI ATE
LODUNLODUN NI KOLORUN O FOMO RERE
KE GBOBO EN TO NWOMO.
BIBI LA Bimo TUNTUN
EDUMARE JOMO TUNTUN O DAGBA
Koun NAA O SI DOLOMO TUNTUN
KULUKULUKULU OMO WEERE
LODEDE GBOGBO WA.
ABOYUN NU KO BI Tibi TIRE
A KII GBEBI EWURE
A KII GBEBI AGUTAN
Lojo IKUNLE ABOYUN
KA GBOHUN IYA
KA GBOHUN OMO TITUN
WEREWERE Lewe NBO LARA IGI
GBEBE NII RO KOKO LAGBALA
A TABOYUN A KOKO TI
Yio ROYIN LORUN
GBEDEMUKE
GBEDEMUKE
OMIDAN TO Nwoko
KOLUW O FUNWON LOKO RERE
UPON TIO Laya
GBAIYA RERE KO WON LONA
Aiya ELESO
OGEDE KII GBODO KO Yagan
AWON TI NWOJU
JE Kiwon O FOWO Bosun
KIWONSI FI PAMO LARA
A TOMIDAN A Tapon
WA DAWON LOHUN LASIKO
Agbe NII GBERE PADE Olokun
Aluko NI GBERE PACE OLUSA
KOLUWA O Gbomo RERE
PADE AWA
EYIN AWA EYIN
BINA BA KU A BOJU FEERU
BOGEDE BA KU A FOMO RE ROPO
OLOYE KU FOLOYE SILE LO
OJI TAA BA Paju DE
OMO RERE NI WA KO JOGUN
ABO REE MI
E MA O PE GBABO MI
Abiodun A JI KUGBA ORIN
ERUWA NILE ILE BABA MI
ERUWA Djoko Agbe DUDU
ORI OKELE
AKUKO GAGARA KII KO L'ERUWA
Agbe NII DAJOWON
EMI Abiodun ADEPOJE LUNFOHUN BI AGBA.


















Fonte: Poema Ewi by Adiodun Adepoju
Ter um filho, é ter alegria na vida.
Deus nos dê a uma criança que podemos estar orgulhosos.
Uma criança que cuida da família,
que cuida da casa,
Que cuida do pai.
Dá-nos um precioso filho,
que faz com que a mãe feliz.
O bebê é recém-chegados.
Pais, amigos e aquaintances, todos vocês são elogiados para o bebê;
O bebê pode ter uma vida longa.
A longa vida com conforto.
A criança não vai morrer, enquanto nas mãos.
A criança não vai morrer, enquanto em todo o colo.
Nosso bebê não morrerá
O seu não deve ser enterrado como um inhame.
Cola amarga aparece a cada ano
Anualmente faz Awusa erva aparecem
Colanuts superfície a cada ano.
Que Deus dê bons filhos anual.
A todos aqueles que querem ter filhos.
De fato, um novo bebê nasce.
Que Deus o abençoe com a velhice
para que ele possa se reproduzir.;
Muitas crianças, Inteligente, desde a infância,
deve ser em nossa casa.
Que a mãe grávida entregar com segurança
Cabras nunca passar por parteiras.
Ovelhas nunca passar por parteiras.
No dia da mulher grávida de entrega,
Vamos ouvir a voz da mãe;
vamos ouvir a voz do bebê.
Uma folha madura cai facilmente.
O cacau no pátio é sempre verde.
Para a mãe grávida e da criança prestes a nascer,
será fácil;
gentil,
gentil.
Para as mulheres solteiras,
Que Deus dê-lhes bons maridos.
Quanto aos homens solteiros, que eles possam ter boas esposas;
Boas esposas fértil.
Pode não ser estéril.
Para o candidato ser mães,
Pode ter sucesso
em ter filhos.
A mulher solteira eo homem solteiro,
seus pedidos podem ser concedidos.
Coisas boas será nossa.
Vamos atingir goodies.
Deus há de nos presentear com bons filhos.
Para nós, a você,
para todos nós juntos.
Quando alguém morre, um sobrevivente é para substituí-lo.
Substituição é essencial.
A líder morto deixa um líder de vida para trás.
No dia em que morremos,
podemos deixar uma criança preciosa para herdar a nossa riqueza.
Aqui, faço uma pausa;
esta é a minha pausa.
I, Abiodun, desde tenra idade, canta 200 músicas.
Eruwa é minha cidade natal, cidade de meu pai.
Eruwa Ojoko, com um papagaio preto,
em Okele colina.
Não é um galo que canta em Eruwa,
é um papagaio que faz anúncios da cidade.
É Abiodun Adepoju que fala como os anciãos.


Nàná Buruku


Nàná Buruku ou Nàná Bùkùú é uma divindade muito antiga. É conhecida no Novo Mundo, tanto no Brasil como em Cuba, como a mãe de Obàluwàiyé - Omolu - Sapanà. É sincretizada  como Sant'Ana no Brasil e como Nossa Senhora do Carmo ou Santa Teresa em Cuba. Os colares de vidro, usados  por aqueles que lhe são consagrados, são na cor branca com listras azuis. Segundo uns, o seu dia é a segunda-feira, juntamente com seu filho Obalúwàiyè, segundo outros, na terça-feira, e ainda os que consagram o sábado, ao lado das outras divindades das águas. Seus adeptos dançam com dignidade que convém a uma senhora idosa e respeitável. Seus movimentos lembram um andar lento e penoso, apoioado num bastão imaginário que os dançarinos, curvados para a frente, parecem puxar para si. Em certos momentos, viram-se para o centro da roda e colocam seus punhos fechados, um sobre o outro, parecendo segurar um bastão.

Quando Nàná se manifesta numa de suas iniciadas é saudada pelos gritos de "Salúba!". Fazem-lhe sacrificios de cabra e galinhas-d'angola, sem utilizar facas.

É considerada a mais antiga das divindades das águas, não das ondas turbulentas do mar, como Yemojá, ou das águas calmas dos rios, domínio de Òsún, mas das águas paradas dos lagos e lamacentas dos pântanos. Estas lembram as águas primordiais que Odúduwà encontrou no mundo quando criou a terra.

Senhora de muitos búzios, Nàná sintetiza em si morte, fecundidade e riqueza. O seu nome designa pessoas idosas e respeitáveis e, para os povos Djedje, da região do antigo Daomé, significa “mãe”. Nessa região, onde hoje se encontra a República do Benin, Nàná é muitas vezes considerada a divindade suprema.

Sendo a mais antiga das divindades das águas, ela representa a memória ancestral do nosso povo: é a mãe antiga (Iyá Agbà) por excelência. É mãe dos òrìsás Iroko, Obaluwáiyè e Osùmàré, mas por ser a deusa mais velha do candomblé é respeitada como mãe por todos os outros òrìsás.

A vida está cercada de mistérios que ao longo da História atormentam o ser humano. Porém, quando ainda na Pré-História, o homem se viu diante do mistério da morte, em seu âmago irrompeu um sentimento ambíguo. Os mitos aliviavam essa dor e a razão apontava para aquilo que era certo no seu destino.

A morte faz surgir no homem os primeiros sentimentos religiosos, e nesse momento Nàná faz-se compreender, pois nos primórdios da História os mortos eram enterrados em posição fetal, remetendo a uma idéia de nascimento ou renascimento. O homem primitivo entendeu que a morte e a vida caminham juntas, entendeu os mistérios de Nàná.

Nàná é o princípio, o meio e o fim; o nascimento, a vida e a morte. Ela é a origem e o poder. Entender Nàná é entender o destino, a vida e a trajetória do homem sobre a terra, pois Nàná é a História. Nàná é água parada, água da vida e da morte.
Nàná é o começo porque Nàná é o barro e o barro é a vida. Nàná é a dona do asè por ser o Òrìsá que dá a vida e a sobrevivência, a senhora dos igbás que permite o nascimento dos deuses e dos homens.
Nàná pode ser a lembrança angustiante da morte na vida do ser humano, mas apenas para aqueles que encaram esse final como algo negativo, como um fardo extremamente pesado que todo o ser carrega desde o seu nascimento. Na verdade, apenas as pessoas que têm o coração repleto de maldade e dedicam a vida a prejudicar o próximo se preocupam com isso. Aqueles que praticam boas ações vivem preocupados com o seu próprio bem, com a sua elevação espiritual e desejam ao próximo o mesmo que para si, só esperam da vida dias cada vez melhores e têm a morte como algo natural e inevitável. A sua certeza é a imortalidade da sua essência.
Nàná, a mãe maior, é a luz que nos guia, o nosso cotidiano. Conhecer a própria vida e o próprio destino é conhecer Nàná pois os fundamentos dos Òrìsás e do Candomblé estão ligados à vida. A nossa vida é o nosso Òrìsá.
É na morte, condição para o renascimento e para a fecundidade, que se encontram os mistérios de Nàná. Respeitada e temida, Nàná, deusa das chuvas, da lama, da terra, juíza que castiga os homens faltosos, é a morte na essência da vida.

Características dos filhos de Nàná Burukú
 
Os filhos de Nàná são pessoas extremamente calmas, tão lentas no cumprimento das suas tarefas que chegam a irritar. Agem com benevolência, dignidade e gentileza. As pessoas de Nàná parecem ter a eternidade à sua frente para acabar os seus afazeres; gostam de crianças e educam-nas com excesso de doçura e mansidão, assim como as avós. São pessoas que no modo de agir e até fisicamente aparentam mais idade.
Podem apresentar precocemente problemas de idade, como tendência a viver no passado, de recordações, apresentar infecções reumáticas e problemas nas articulações em geral.
As pessoas de Nàná podem ser teimosas e “ranzinzas”, daquelas que guardam por longo tempo um rancor ou adiam uma decisão. Porém agem com segurança e majestade. As suas reações bem equilibradas e a pertinência das suas decisões mantêm-nas sempre no caminho da sabedoria e da justiça. Embora se atribua a Nàná um caráter implacável, os seus filhos têm grande capacidade de perdoar, principalmente as pessoas que amam. São pessoas bondosas, decididas, simpáticas, mas principalmente respeitáveis, um comportamento digno da Grande Deusa do Daomé.

Constatamos que os Oríkì para Nàná, colhidos em Keto e Abeokutá, cidades situadas na região leste da África, descrevem bem as suas diversas características definidas para o culto dessa divindade:

" Proprietária de um cajado.
Salpicada de vermelho, sua roupa parece coberta de sangue.
Orixá que obriga os fon a falar Nagô.
Minha mãe era inicialmente da região Bariba.
Água parada que mata de repente.
Ela mata uma cabra sem utilizar a faca."


Itan de Nàná

Nàná fornece a lama para a modelagem do homem

Dizem que quando Olorun encarregou Òsáàlá de fazer o mundo e modelar o ser humano, o òrìsá tentou vários caminhos.
Tentou fazer o homem de ar, como ele. Não deu certo, pois o homem logo se desvaneceu.
Tentou fazer de pau, mas a criatura ficou dura.
De pedra ainda a tentativa foi pior.
Fez de fogo e o homem se consumiu.
Tentou azeite, água e até vinho-de-palma, e nada.
Foi então que Nàná veio em seu socorro.
Apontou para o fundo do lago com seu ibiri, seu cetro e arma, e de lá retirou uma porção de lama.
Nàná deu a porção de lama a Òsáàlá, o barro do fundo da lagoa onde morava ela, a lama sob as águas, que é Nàná.
Òsáàlá criou o homem, o modelou no barro.
Com o sopro de Olorun ele caminhou.
Com a ajuda dos Òrìsás povoou a Terra.
Mas tem um dia que o homem morre e seu corpo tem que retornar à terra, voltar à natureza de Nàná Buruku.
Nàná deu a matéria no começo, mas quer de volta no final de tudo o que é seu.


Fonte: Orixás - Deuses Yorubás na África e no Novo Mundo - Pierre Fatumbi Verger
            Mitologia dos Orixás - Reginaldo Prandi
            www.candomble.wordpress.com

sábado, 23 de julho de 2011

Porque Òsáàlá usa ekodidé




Esta é a história de Omo Òsún. Uma jovem e bela mulher que, cumprindo feliz o seu destino nesse mundo de cuidar da coroa e dos paramentos do mais velho, mais nobre e mais sábio rei o Grande Pai Òsáàlá, transpirava alegria, felicidade e riqueza para todos os cantos do mundo.
Graças à sua dedicação e alegria, Omo
Òsún, nome que significa filha da Grande Mãe Òsún, passou a ser admirada pelas pessoas importantes do reino e muito querida pelo Grande Pai Òsáàlá. Mas neste mundo visível  - áiyè e no mundo do além - orun nem tudo são flores e ocorreu que a satisfação do rei e seus ministros com os serviços de Omo Òsún, infelizmente, gerou entre algumas mulheres da corte o sentimento de inveja e o desejo constante em prejudicarem Omo Òsún.
A primeira maldade das invejosas contra Omo
Òsún foi tentar dar sumiço na caríssima e valiosa coroa prateada do grande Pai Òsáàlá. Imaginem que as invejosas conseguiram entrar nos aposentos proibidos do rei, que eram da responsabilidade de Omo Òsún, pegaram escondida a valiosíssima coroa e jogaram-na no mar. Omo Òsún, ao perceber o que ocorreu, desesperada com o sumiço da coroa, com o auxílio da sua pequena filha procurou em cada centímetro do imenso palácio e nada de encontrá-la.
Retornando aos aposentos do rei, Omo
Òsún, sem saber mais onde procurar e o que fazer, encostou-se na cama e de tão cansada dormiu.
A garotinha filha de Omo
Òsún, muito preocupada com a sua mãe, ao deitar fez uma prece a Olorun, o Deus Supremo, mãe e pai do universo, solicitou sua ajuda, e depois foi dormir também. A criancinha já estava no seu terceiro sono quando teve um sonho. Nas nuvens do seu sonho, a menina se viu na grande feira da cidade sagrada de Ilè Ifé, a feira estava repleta de peixes prateados. Então, um peixe desajeitado e muito engraçado, caminhando como se tivesse comido um boi de tão cheia a sua barriga, aproximou-se da menina no sonho, olhou-a bem nos olhos e deu uma cusparada de água fria bem no meio do seu rosto. Depois da brincadeira, o peixe malandro, com sua barriga gorda, saiu correndo e dando risada. Assustada com o jato d’água no rosto que recebeu do peixe no sonho, a garota acordou.
Já era de manhã e a garotinha correu para os braços da sua mãe Omo
Òsún que ainda dormia, tentando acordá-la para contar o seu estranho sonho. Omo Òsún acordou e, ao ouvir o sonho da sua filhinha, resolveu ir correndo para o local onde normalmente acontecia a feira.
Logo que chegaram ao local, elas verificaram que naquele dia não estava acontecendo a grande feira, só havia alguns poucos feirantes comercializando banana, inhame, leite de cabra, azeite e vinho da palma, e, para decepção das duas, nada de peixe.
Omo
Òsún então puxou conversa com um feirante em busca do tal peixe do sonho. O homem disse. “Ô minha senhora, peixe só encontra na feira dia de sábado, hoje é segunda dona, não tem peixe não!”.
Preocupada, Omo
Òsún pensou em desistir de procurar o tal peixe dos sonhos, mas a garotinha, puxando o vestido da mãe, disse que queria ver o peixe malandro com sua barriga gorda. Omo Òsún resolveu continuar procurando. Andando, andando pelo grande espaço onde se realizava a feira, entre as muitas barracas fechadas e alguns poucos vendedores, não é que de repente, lá no encontro das ruas, no centro da feira, apareceu um vendedor alegre gritando: “Ói o peixe, ói o peixe!”. Omo Òsún, apreensiva, se aproximou do homem e perguntou o preço do quilo do peixe. O vendedor brincalhão abaixou o cesto no chão e, para surpresa de Omo Òsún e alegria da sua filhinha, lá estava o peixe barrigudo e malandro do sonho da menininha.
Omo
Òsún gastou todas as suas economias para comprar o enorme peixe e correu com sua filha ao palácio e nos seus aposentos abriu a barriga gorda do peixe malandro e lá estava a maravilhosa coroa prateada de Òsáàlá, inteirinha, linda!
A menina sorriu! Desta vez não levou nenhuma cusparada no rosto do peixe malandro que terminou bem fritinho na panela!
As invejosas, ao ficaram sabendo da impressionante história, surpresas com a sorte de Omo
Òsún e da sua filhinha, resolveram articular outra maldade.
Percebendo que não tinham conseguido prejudicar Omo
Òsún anteriormente, as invejosas, descontroladas e dominadas pelos sentimentos negativos de inveja, ódio e despeito, resolveram fazer uma mistura poderosa, uma espécie de cola mágica. Depois, pegaram essa mistura e passaram em cima da cadeira de Omo Òsún, ao lado do trono do rei. A intenção das invejosas era que, na cerimônia de apresentação do rei à comunidade, Omo Òsún ficasse presa na cadeira e não pudesse cumprir as suas tarefas de zeladora, desapontando assim a todos.
Tudo ocorreu como as invejosas planejaram e Omo
Òsún, a querida zeladora de Òsáàlá, ao sentar-se ficou presa na cadeira e, pior, devido ao imenso esforço para soltar-se, começou a sangrar.
Os movimentos estranhos de Omo
Òsún na cadeira e depois o sangue que saia entre as suas pernas causaram a imediata indignação de todos os presentes que correram para proteger o Rei. Algumas pessoas muito revoltadas pensavam: “Como a zeladora do grande Pai Òsáàlá se comportava daquela maneira?” “Como alguém pode ofender tão gravemente ao Grande Pai  – rei do pano branco – trazendo à sua presença sangue?”.
Na imensa confusão que se formou, enquanto as invejosas davam altas gargalhadas, Omo
Òsún tentou explicar que não sabia o que estava ocorrendo, que não teve culpa, mas todos os presentes, indignados com a situação, expulsaram-na do palácio.
Omo
Òsún, sentindo-se humilhada e desamparada, sozinha no mundo, separada da sua filhinha que ficou com uma família do reino, saiu caminhando à procura de ajuda, tentando reverter aquela situação tão estranha.
Procurou a família do chefe dos caçadores, o Òrìsá Òsóòsi, depois a família do chefe dos ferreiros, o Òrìsá Ògún e assim por diante. Mas, sabendo do ocorrido no palácio do Grande Pai Òsáàlá, todos se recusaram a recebê-la.
Após longa caminhada, muito triste e envergonhada, Omo Òsún dirigiu-se ao palácio da Grande Mãe, o Òrìsá
Òsún.
A Mãe
Òsún, já sabendo da injustiça que praticaram contra a sua filha no palácio de Òsáàlá, amparou Omo Òsún e disse para ela não se preocupar que tudo seria resolvido.
A partir daquele dia, devido à atitude negativa de pessoas invejosas que geraram uma grande onda de injustiça contra Omo
Òsún, tudo, tudo no mundo virou de cabeça para baixo!
Os rios começaram a secar, os peixes morriam, os frutos apodreciam nos pés, as mulheres perdiam seus filhos, os animais adoeciam. Ocorria uma grande calamidade na terra.
As pessoas, preocupadas e estranhando o que estava acontecendo no mundo, apreensivas, resolveram consultar o grande sábio Orumilá e o oráculo de Ifá para saber o que estava sucedendo. Chegando à morada do grande adivinho na densa floresta sagrada de Ilè Ifé, as pessoas contaram ao sábio o que estava acontecendo no mundo. Orunmilá, percebendo que havia algo de realmente misterioso, resolveu consultar o oráculo de Ifá para perceber o que estava por trás de tudo aquilo.
Depois de algum tempo vendo, ouvindo e sentindo o que Ifá dizia, Orunmilá falou ao visitante o que ficou sabendo através do oráculo: “Fizeram uma grande injustiça à filha de
Òsún, atrapalharam o destino da moça, por isso está acontecendo tanta tragédia no mundo!”.
As pessoas, espantadas e muito preocupadas perguntaram o que poderiam fazer para reverterem aquela situação tão drástica. Orunmilá jogou novamente os búzios e obteve a resposta de Ifá. “Todas as pessoas e òrìsás, em sinal de desculpas pelas injustiças praticadas contra Omo
Òsún, devem urgentemente levar oferendas à Grande Mãe Òsún no seu palácio e solicitar que se restabeleça a harmonia e o mundo não se acabe”.
Os conselhos de Orunmilá se espalharam rapidamente pelo mundo visível àiyé e pelo espaço do além orun e assim foi feito. Todos se dirigiram ao palácio da grande Mãe
Òsún, levando oferendas de frutas, perfumes e jóias de cobre, solicitando as suas desculpas pela injustiça que foi cometido contra Omo Òsún. Em respostas às solicitações e às delicadas oferendas feitas pelos muitos visitantes, oferendas que enriqueciam cada dia mais a jovem Omo Òsún, a grande Mãe Òsún retribuía os presentes dos visitantes com uma pena vermelha do papagaio africano chamado ekodidé, infinitas penas vermelhas da fertilidade e da riqueza que surgiram do sangue derramado por Omo Òsún.
O Grande Pai Òsáàlá, sabendo do que estava se passando no palácio da Grande Mãe
Òsún e da injustiça que todos cometeram contra a sua querida servidora Omo Òsún, resolveu dirigir-se ao palácio da Grande Mãe Òsún com sua imensa e rica comitiva no dia do Sirè, dia da festa.
No dia do sirê, todos os òrìsás e pessoas presentes no palácio da Grande Mãe
Òsún ficaram surpresos com a presença ilustre do maior dos òrìsás, o grande Pai Òsáàlá e sua linda comitiva. Foi um rebuliço danado recebê-los, era uma beleza só.
Era tanta gente vestida de branco: chefes das aldeias com suas mulheres e filhos, guerreiros, bailarinos, cantores, cavaleiros e, bem no centro da grande comitiva, o Grande Pai Òsáàlá cercado com suas esposas que traziam nas mãos vasos repletos de flores, perfumes, búzios da costa, jóias e os mais finos vinhos de palma. Presentes que inundavam vida, paz, alegria e força por todo o àiyé/orun.
Era muito lindo ver os habitantes das terras de Òsáàlá, com suas peles negras e retintas como a noite mais profunda, todos envolvidos nos tecidos brancos mais alvos e finos a homenagear o Grande Pai Òsáàlá, a Grande Mãe
Òsún e Omo Òsún.

A Grande Mãe Òsún, com seu jeito delicado, e orgulhosa em receber aquela comitiva no seu palácio, reverenciou o Grande Pai Òsáàlá e ofereceu a ele em retribuição pela sua importante visita um pena ekodidé. Então, surpreendendo a preocupada segurança real e a todos os presentes, Òsáàlá dirigiu-se a Òsún e sua filha Omo Òsún e, agachando-se, levou a pena do pássaro ekodidé à cabeça e disse: “Como exemplo da minha gratidão à dedicação de Omo Òsún e como reconhecimento da importância do poder feminino para que haja vida no mundo, a partir desse dia usarei preso ao centro da testa, próximo a minha coroa, o "ekodidé”.
A atitude de Òsáàlá, o Grande Òrìsá, em adotar o ekodidé na sua vestimenta branco alva, repleta de pureza, força masculina e vida, mostrou a todos a dimensão e importância da harmonia entre o princípio feminino e masculino. Forças que se complementam e devem permanecer sempre harmonizadas.
A Grande Mãe
Òsún, emocionada com os gestos de Òsáàlá, tomou sua filha Omo Òsún pelo braço e entregou-a novamente sob a proteção do Grande rei para que assim ela continuasse a cumprir feliz o seu destino no mundo,   cuidar da coroa e dos paramentos do mais velho, mais nobre e mais sábio rei.
E começou o sirê, a grande festa no palácio de
Òsún! Os alabès, tocadores de percussão, dos diversos reinos yorubás se uniram para saudar aquele dia de reconciliação.
Os òrìsás presentes fizeram uma linda roda e, ao ritmo potente do toque dos alabès, dançaram belíssimas coreografias saudando a terra, a água, o ar, os animais, o vento e os ancestrais!
Enquanto isso, as invejosas, sozinhas no palácio de Òsáàlá, temendo a ira do rei, saíram correndo pelo mundo tentando esconder as suas maldades. Elas não haviam percebido que o problema não estava na vingança do rei, o problema estava naquilo que elas semearam de bom ou ruim no seu destino, sementes que por certo um dia iriam colher de volta.
Òsáàlá, o Grande Pai dança no sirê, festa, que ocorreu no palácio da Grande Mãe
Òsún. Omo Òsún, lá no palácio da Grande Mãe Òsún, muito feliz, se divertia naquela festança com comida farta, bebida em abundância. A comemoração do começo de um novo ciclo de renovação da vida no universo.
 


(Adaptação livre inspirada na obra de Mestre Didi feita por Ronaldo Martins)
 

sexta-feira, 22 de julho de 2011

A força do Abébè


Significado de Abébè

Abebé (abé) sm (yorubá abébè) - Folc. (Bahia): Leque metálico circular, que é, ao mesmo tempo, insígnia e instrumento do Òrìsá Òsún.
Abébè é um leque em forma circular, usado por Òsún quando confecionado de latão ou dourado, alguns podem trazer um espelho no centro, e usado por Yemo quando prateado, normalmente trazem desenhos simbólicos. Tais desenhos, são geralmente corações quando para Òsún, ou peixes, para Yemo. São utilizados nos rituais de Candomblé.
O abébè, é um paramento ritual, símbolo nagô do poder feminino e da realeza, apresenta-se de maneira bem simples, como uma escultura modesta, aos olhares dos visitantes.
Compreendemos que Òsún traduz o arquétipo da grande mãe. Tomando como ponto de partida o abébè, símbolo de Òsún, levamos a refletir sobre a dinâmica, a idéia que encerra em si o belo, o bom, o útil e o eficaz. A dinâmica que integra diversas linguagens da música, no toque do alabê; na dança de Òsún e as artes visuais no código das cores e formas dos ojás, adês e panos-da-costa.


Na milenar tradição civilizatória dos povos yorubás, nossos antepassados africanos, conhecidos também como nagôs, foram trazidos ao Brasil no século XVIII da África Ocidental, região onde se estendiam no passado os diversos reinos yorubás: Ifé, Oyó, Ketu, Ijesá.


Olorun, o Deus supremo, pai e mãe do universo, enviou do orun – espaço infinito - os òrìsás para que criassem o aiyè – espaço visível – e todos os seus habitantes.


Os òrìsás, emanações e enviados de Olorun, são os princípios que dinamizam a existência e que estão presentes nos elementos da natureza: água, ar, terra, fogo e florestas; nas relações comunitárias: familiar, profissional, política, religiosa e na vida de todos os seres humanos.
Para a cosmogonia nagô, todo ser humano na sua constituição física possui parte do universo em seu corpo: água, terra, fogo, ar. Sendo assim, nessa concepção da existência, somos também filhos e filhas dos òrìsás, emanações de Deus = Olorun.
Cada òrìsá possui um símbolo característico da sua natureza ou poder. Òsáàlá, o òrìsá mais velho, grande pai ancestral da humanidade, tem como símbolo o cajado (Opasorò). Òsún, uma das grandes mães ancestrais, tem como símbolo o abébè, um objeto relacionado à autoridade das mulheres sobre a gestação e a fecundidade. Òsóòsi, o caçador e provedor da comunidade, tem como símbolo o arco e flecha, o Ofá. E assim por diante...

Os símbolos dos òrìsás, no contexto da permanência e recriação do patrimônio civilizatório africano nagô no Brasil, se configuram como preciosos documentos visuais e valiosos recursos educacionais para o ensino de História e Culturas dos Africanos e Afro-brasileiros. Essas insígnias dos òrìsás que, no rico significado, nas suas formas, cores e materiais, concentram informações valiosas sobre a visão de mundo dos nossos antepassados africanos e sua cosmogonia, a forma de organização social, o domínio de tecnologias e todo uma refinada concepção estética africana que enobrece a cultura nacional.
Inspirados nos símbolos dos òrìsás, uma fonte que dá contornos e forma ao modo de ser e pensar dos nagôs, observamos que esses símbolos dos òrìsás nos fazem retornar à nossas origens ancestrais e são instrumentos singulares que aprofundam a identidade para a contínua expansão e fortalecimento do povo afro-brasileiro na vivência com a rica pluralidade cultural do país.
O abébè é uma espécie de objeto de metal circular, com um pássaro e um peixe no centro, e simboliza o poder feminino de gestação e a importância da maternidade para as sociedades africanas. O abébè reporta à nobreza das rainhas mães africanas que, ao chegarem ao Brasil, lutaram para criar seus filhos e verem prosperar as suas famílias.



O abébè está relacionado nas comunidades afro-brasileiras nagôs ao poder feminino incorporado pelos òrìsás Òsún que, segundo a tradição afro-brasileira, é a grande mãe ancestral relacionada ao rio e lagos no Brasil; e Yemo que, segundo a tradição afro-brasileira, é a grande mãe ancestral relacionada ao mar no Brasil. As grandes mães ancestrais do mundo, este símbolo evoca a valorização da mulher presente no contexto civilizatório afro-brasileiro.
Nessa perspectiva os òrìsás Òsún e Yemo são consideradas entidades simbólicas, que representam o elemento água e possuem em comum o símbolo abébè - leque ritual.

É através de seu espelho de duas faces que Òsún toma consciência de sua sensualidade, é o símbolo da sua vaidade, mas também uma arma que ofusca os olhos de quem a ataca.  Entretanto, o espelho serve também, de escudo e arma que pode cegar ou aprisionar com seu reflexo.


Abébè de Logun Edé

Logun Edé, também conhecido como o òrìsá menino; Logun é filho de Òsún e Òsóòsi, ele carrega as insígnias de ambos; o abébè de Òsún e o ofá de Òsóòsi. Como seus pais, os domínios de Logun abrangem a fartura, a riqueza e a beleza.






Textos extraídos da Fonte: 

AGBON: ARTE, BELEZA E SABEDORIA ANCESTRAL AFRICANA

RONALDO MARTINS DOS SANTOS

Inaicyra Falcão dos Santos
Instituição: Universidade Estadual de Campinas . Instituto de Artes 

Wikkipédia



A Chuva dos Poderes


Olorun, o Ser Supremo, o Absoluto, Mãe e pai do universo, depois que criou a terra e todos os seres existentes, desejando que todos prosperassem, resolveu enviar ao centro do mundo, a cidade sagrada de Ilè Ifé, seu representante, o grande sábio e adivinho Orúnmilá. A missão de
Orúnmilá era distribuir poderes muito especiais aos Òrìsás, os primeiros habitantes da terra, para que, através deles, todos os seres existentes: plantas, seres humanos, animais, rios e montanhas, fossem ajudados a prosperarem, cumprirem seu destino no mundo e fossem felizes.

Orúnmilá, muito contente com a importante tarefa que Olorun lhe havia confiado, rapidamente se dedicou aos preparativos da grande viagem que faria do espaço infinito do orun para a terra aiyè, procurando não esquecer as ordens de Olorun de desembarcar na primeira cidade da terra, a sagrada Ilè Ifé e, estando lá, distribuir os poderes especiais aos Òrìsás para que eles pudessem ajudar a todos os seres existentes.
 

Assim ocorreu. Depois de um certo tempo de viagem, um tempo que para nós poderia ser toda a eternidade e para Olorum foi apenas o momento de estalar os dedos, Orúnmilá chegou ao Aiyè, mundo visível, e se instalou no centro do mundo, a cidade sagrada de Ilè Ifé.

Os Òrìsás, sabendo da chegada de
Orúnmilá, correram para o lugar onde ele se instalou e fizeram uma grande festa em sua homenagem com muita música, comida e bebida.

Orúnmilá, muito contente com a acolhida, dançou, brincou, bebeu e comeu com todos os presentes, depois foi descansar para, no dia seguinte, pensar como repartiria os poderes que Olorun havia ordenado que fossem distribuídos entre todos os Òrìsás.



No dia seguinte, antes mesmo do sol raiar e do galo cocoricar, já havia Òrìsá batendo na porta da casa de
Orúnmilá para fazer os seus pedidos.
O primeiro a chegar na casa de
Orúnmilá foi Esù, com seu jeito alegre, dizendo logo que desejava os poderes da expressão e da comunicação.
Orúnmilá, que conhecia bem o descontraído Esù, não ficou chateado por ter sido acordado tão cedo e, com sua sabedoria de pessoa mais velha, calmamente pôde sentir os
desejos existentes no coração de Esù. Pôde perceber que Esù desejava conhecer as formas de se expressar dos pássaros, seres humanos, peixes, árvores e espíritos para favorecer o diálogo entre os habitantes do Aiyè - mundo visível, com os habitantes do Orún - o além infinito, e, assim, ajudar a todos a mobilizarem seus sonhos e desejos.
Orúnmilá, depois de ouvir as boas intenções de Esù, pediu a ele que aguardasse um pouco que breve distribuiria de forma justa os poderes que Olorum enviou. Esù, agradecido, fez uma brincadeira com Orúnmilá, deu uma boa gargalhada e saiu rapidamente para resolver os desejos de algumas pessoas.
 

O segundo visitante que apareceu na casa de Orúnmilá, logo quando o sol surgiu e o galo fez o seu primeiro cocoricar, foi Ògún. O valente ferreiro Ògún disse que desejava auxiliar a todos os seres a descobrirem novos caminhos, novas tecnologias e assim, inovassem, criassem e fizessem suas comunidades prosperarem.

A terceira a chegar, ainda de manhã bem cedinho, quando o galo cantou o seu terceiro e último cocoricar do dia, foi Òsún, a rainha da cidade de Osogbò. Òsún disse a
Orúnmilá que desejava tornar as águas dos rios abundantes, a terra, os seres humanos e os animais férteis. Orúnmilá ouviu a todos com muita atenção e gentileza e pediu que aguardassem a sua decisão.
 

Depois que Òsún saiu, deixando no ar o seu perfume de flor, foram chegando outros importantes Òrìsás: Òsóòsi, Yemojá, Omolu, Nanan, Osaniyn, Oyá, Osúmárè e assim por diante. Orúnmilá passou o dia recebendo visitas, sem nem ter comido direito o prato de inhame amassado misturado com ervas saborosas que havia preparado para o seu desjejum.
Eram tantas visitas e tantos pedidos dos muitos Òrìsás que habitavam a terra que
Orúnmilá, uma pessoa sempre muito calma, já estava ficando nervoso.



Às vezes um Òrìsá chegava e falava com Orúnmilá que desejava o poder de conhecer todos os mistérios das florestas, logo depois, chegava outro Òrìsá e desejava que todos os mistérios das florestas fossem seus. Às vezes um Òrìsá desejava ter o poder de se comunicar com o espírito dos mortos, logo depois, chegava um outro Òrìsá que desejava ter o poder de afastar o espírito dos mortos. E assim continuou, um quer uma coisa, outro quer outra! Um quer uma coisa, outro quer outra!
Orúnmilá, depois de tantas visitas, ficou muito preocupado.
- Como poderia distribuir os poderes aos Òrìsás de forma justa e de tal modo que todos ficassem satisfeitos?
- Como fazer que os Òrìsás percebessem a importância de favorecer a todos os seres existentes para que eles cumprissem seu destino e contribuíssem para o fortalecimento e expansão da comunidade terrestre?
 

Os dias se passaram e como Orúnmilá não distribuía os poderes entre os Òrìsás, cada vez mais as coisas se complicavam. Criou-se uma grande disputa e confusão. Alguns Òrìsás já estavam tão zangados que foram reclamar os poderes que julgavam possuir a Olorun. Era um tal de conversa para lá, conversa para cá, reclamação aqui, reclamação acolá que Orúnmilá, com a cabeça esquentada pela impaciência dos Òrìsás, resolveu se afastar da cidade sagrada de Ilè Ifé e passar um tempo na floresta para se acalmar e encontrar uma decisão que fosse mais justa e satisfatória para o bem do planeta.

Olorun, lá no espaço do além, começou a receber as reclamações dos habitantes do Aiyè. Bananeira reclamava que precisava de mais luz para que seus cachos não apodrecessem. Quiabo reclamava que necessitava de chuva para que pudesse crescer e se multiplicar. Inhame reclamava que necessitava de terra fértil para se fortalecer. Dendezeiro reclamava da ausência de pessoas, insetos e bichos para aproveitarem seus abundantes frutos e espalhá-los pelo mundo. O vento reclamava, os rios reclamavam, as pessoas reclamavam, todos reclamavam e solicitavam a ajuda dos Òrìsás.
 

Olorun, sabendo da delicada situação que o sábio e justo Orúnmilá estava enfrentando por ter aceitado a difícil tarefa de distribuir os poderes aos Òrìsás, mandou para auxiliá-lo na floresta de Ilê Ifé, Agemò, o Camaleão.

Deitado no chão da floresta de Ilè Ifé, procurando com os olhos entre as imensas copas das árvores o pedaço azul do céu, o grande adivinho
Orúnmilá tentava se concentrar e descobrir o que fazer. Pensava naquela tarefa tão delicada que envolvia todos os seres do mundo e, mesmo sendo um grande adivinho, não conseguia encontrar uma solução.
Orúnmilá estava tão entretido nos seus pensamentos que não percebeu no meio das folhagens de uma grande árvore sagrada, a gameleira, Agemò, o camaleão que o observava
atentamente.
Agemò, o camaleão, um bicho muito cismado, disfarçado no verde da folhagem, aproveitando o som do vento, murmurou com sua língua grande para
Orúnmilá:
- Ei seu moço, eu trouxe uma boa idéia pro sinhô!
Orúnmilá, preocupado, não percebia nada e Agemò coberto com seu disfarce, aproveitando o som do vento, murmurou novamente.
- Oi seu moço, presta atenção, eu trouxe uma boa idéia pro sinhô!

Percebendo que não conseguia ser visto e comovido com o esforço de
Orúnmilá, Agemò, o camaleão, um bicho muito desconfiado, resolveu se arriscar saiu do mato, e, mudando de verde-folha para vermelho-terra, se aproximou sorrateiramente de Orúnmilá e falou:
- Ê moço, ê moço, é o sinhô mesmo! Presta atenção moço, eu trouxe uma idéia muito da boa pro sinhô! 
Orúnmilá tomou um susto danado com aquela voz estranha. Olhou amedrontado para um lado e para outro lado da mata. Espantado, finalmente se acalmou ao ver bem perto o camaleão Agemò.
 

Após se refazer do susto, Orúnmilá respirou fundo, readquiriu a calma e respondeu a Agemò:
– Olá Agemò, grande mensageiro de OLORUN. Conte-me a sua boa idéia!
– Oi moço, eu não queria me meter nesses assuntos, mas como o Sinhô está muito avexado. Vou falar!
- Fale Agemò, eu agradeço sua ajuda!
- Então, seu Milá, porque que o sinhô não faz cair uma chuva em Ifé. Uma chuva bem especial.
- Oxente seu Agemo, chuva pra quê?
- Bem seu Milá, eu vou explicar direitinho. É o seguinte, o sinhô convida todo mundo num dia especial e nesse dia faz que caia uma grande chuva de poderes sobre todos. Assim, os poderes que cada Òrìsás conseguir pegar, esse poder será dele por direito!
Nem mais nem menos! Cada um terá aquilo que merecer conforme seu esforço!


Orúnmilá, muito satisfeito com aquele conselho, deu um belo sorriso e levantou para agradecer a Agemo. Agemo, sendo um bicho muito desconfiado, antes que Orúnmilá acabasse de sorrir e retornasse os olhos na sua direção, mudou de cor rapidamente do vermelho-terra para o verde-folha e desapareceu no meio do mato.
 

Muito feliz e agradecido com a sugestão de Agemo, Orúnmilá rapidamente retornou à cidade de Ilè Ifé e convocou todos os Òrìsás para comparecerem no dia da grande feira, em frente ao palácio do Oní, rei de Ilè Ifé, um local onde todos os habitantes do reino yorubá se reuniam para comercializar seus produtos. Nesse dia tão especial para todo o povo, ele vai fazer cair uma chuva contendo todos os poderes. O poder que for apanhado quando a chuva cair, esse será o poder que o Òrìsá passará a possuir.
Todos os Òrìsás ficaram contentes com a decisão de
Orúnmilá e, no dia marcado, estavam preparados para apanhar os imensos poderes que cairiam da chuva.
 


Assim, no dia decidido, começou a cair a chuva dos poderes, foi um corre-corre danado. No começo era um tal de encher cisterna, tanque, bacia, balde, panela e até caneca, mas, no final do dia, todos estavam tão satisfeitos que alguns Òrìsás decidiram não ficar mais tempo debaixo da chuva para não terem poderes em demasia.
 

A experiência difícil vivida por Orúnmilá, o grande adivinho, que teve na mão todos os poderes existentes, mostrou aos Òrìsás e a todos os seres do Aiyè que para se ter muito poder, requer muita sabedoria, responsabilidade, dedicação, cuidado e respeito ao outro e ao bem estar de todos os seres da comunidade.
 

Assim, a partir daquele dia, os Òrìsás, alguns possuidores de imensos poderes, outros de poderes bem pequenos, começaram a perceber que o mais importante na vida é unirem suas potencialidades e ajudarem as pessoas, as árvores, plantas, animais e as sua comunidade a cumprirem seus destinos, prosperarem e serem felizes.

A bananeira depois de ser ajudada pela fecundidade de Òsún amadureceu os seus frutos, alimentou os pássaros e animais da floresta, morreu e germinou em infinitos e diferentes brotos pelo mundo. O quiabo, depois de ser ajudado com a chuva do Òrìsá Sangò, cresceu, cresceu e de cada um dos seus ramos fez eclodir mais de trinta novos quiabos a cada período de chuva. Inhame, ajudado pelo Òrìsá Òsáàlá, ampliou suas raízes pela terra fofa e alimentou muitos seres humanos. Os abundantes frutos vermelho-amarelados do dendezeiro foram bem aproveitados, transformaram -se em azeite de dendê para o preparo de saborosos quitutes ensinados pelo Òrìsá Oyá, pratos deliciosos como o acará e abará que alimentam muitas pessoas e fazem outras ganharem muito dinheiro.

Nos espaços infinitos do Òrun, alegre com o trabalho dos Òrìsás e agradecido pela imensa sabedoria que
Orúnmilá e Agemo levaram à terra, Olorun até hoje dá enormes gargalhadas ao ver no Aiyè as muitas crianças brincarem, as árvores crescerem, os bichos nascerem e se multiplicarem.
 

O Ser  Supremo Olorun, mãe e pai do universo, mesmo sabendo dos enormes problemas existentes no mundo nos dias atuais, está muito contente em perceber que muitos seres humanos, pássaros, insetos, árvores e montanhas conseguem seguir seus destinos, crescer e ser feliz, melhor ainda, aprenderam a ajudarem-se mutuamente para o bem e prosperidade de todos.




(Adaptação livre inspirada na obra de Mestre Didi feita por Ronaldo Martins)

Texto extraído do estudo: Agbon - Arte, Beleza e Sabedoria Ancestral Africana - Ronaldo Martins dos Santos