sábado, 23 de julho de 2011

Porque Òsáàlá usa ekodidé




Esta é a história de Omo Òsún. Uma jovem e bela mulher que, cumprindo feliz o seu destino nesse mundo de cuidar da coroa e dos paramentos do mais velho, mais nobre e mais sábio rei o Grande Pai Òsáàlá, transpirava alegria, felicidade e riqueza para todos os cantos do mundo.
Graças à sua dedicação e alegria, Omo
Òsún, nome que significa filha da Grande Mãe Òsún, passou a ser admirada pelas pessoas importantes do reino e muito querida pelo Grande Pai Òsáàlá. Mas neste mundo visível  - áiyè e no mundo do além - orun nem tudo são flores e ocorreu que a satisfação do rei e seus ministros com os serviços de Omo Òsún, infelizmente, gerou entre algumas mulheres da corte o sentimento de inveja e o desejo constante em prejudicarem Omo Òsún.
A primeira maldade das invejosas contra Omo
Òsún foi tentar dar sumiço na caríssima e valiosa coroa prateada do grande Pai Òsáàlá. Imaginem que as invejosas conseguiram entrar nos aposentos proibidos do rei, que eram da responsabilidade de Omo Òsún, pegaram escondida a valiosíssima coroa e jogaram-na no mar. Omo Òsún, ao perceber o que ocorreu, desesperada com o sumiço da coroa, com o auxílio da sua pequena filha procurou em cada centímetro do imenso palácio e nada de encontrá-la.
Retornando aos aposentos do rei, Omo
Òsún, sem saber mais onde procurar e o que fazer, encostou-se na cama e de tão cansada dormiu.
A garotinha filha de Omo
Òsún, muito preocupada com a sua mãe, ao deitar fez uma prece a Olorun, o Deus Supremo, mãe e pai do universo, solicitou sua ajuda, e depois foi dormir também. A criancinha já estava no seu terceiro sono quando teve um sonho. Nas nuvens do seu sonho, a menina se viu na grande feira da cidade sagrada de Ilè Ifé, a feira estava repleta de peixes prateados. Então, um peixe desajeitado e muito engraçado, caminhando como se tivesse comido um boi de tão cheia a sua barriga, aproximou-se da menina no sonho, olhou-a bem nos olhos e deu uma cusparada de água fria bem no meio do seu rosto. Depois da brincadeira, o peixe malandro, com sua barriga gorda, saiu correndo e dando risada. Assustada com o jato d’água no rosto que recebeu do peixe no sonho, a garota acordou.
Já era de manhã e a garotinha correu para os braços da sua mãe Omo
Òsún que ainda dormia, tentando acordá-la para contar o seu estranho sonho. Omo Òsún acordou e, ao ouvir o sonho da sua filhinha, resolveu ir correndo para o local onde normalmente acontecia a feira.
Logo que chegaram ao local, elas verificaram que naquele dia não estava acontecendo a grande feira, só havia alguns poucos feirantes comercializando banana, inhame, leite de cabra, azeite e vinho da palma, e, para decepção das duas, nada de peixe.
Omo
Òsún então puxou conversa com um feirante em busca do tal peixe do sonho. O homem disse. “Ô minha senhora, peixe só encontra na feira dia de sábado, hoje é segunda dona, não tem peixe não!”.
Preocupada, Omo
Òsún pensou em desistir de procurar o tal peixe dos sonhos, mas a garotinha, puxando o vestido da mãe, disse que queria ver o peixe malandro com sua barriga gorda. Omo Òsún resolveu continuar procurando. Andando, andando pelo grande espaço onde se realizava a feira, entre as muitas barracas fechadas e alguns poucos vendedores, não é que de repente, lá no encontro das ruas, no centro da feira, apareceu um vendedor alegre gritando: “Ói o peixe, ói o peixe!”. Omo Òsún, apreensiva, se aproximou do homem e perguntou o preço do quilo do peixe. O vendedor brincalhão abaixou o cesto no chão e, para surpresa de Omo Òsún e alegria da sua filhinha, lá estava o peixe barrigudo e malandro do sonho da menininha.
Omo
Òsún gastou todas as suas economias para comprar o enorme peixe e correu com sua filha ao palácio e nos seus aposentos abriu a barriga gorda do peixe malandro e lá estava a maravilhosa coroa prateada de Òsáàlá, inteirinha, linda!
A menina sorriu! Desta vez não levou nenhuma cusparada no rosto do peixe malandro que terminou bem fritinho na panela!
As invejosas, ao ficaram sabendo da impressionante história, surpresas com a sorte de Omo
Òsún e da sua filhinha, resolveram articular outra maldade.
Percebendo que não tinham conseguido prejudicar Omo
Òsún anteriormente, as invejosas, descontroladas e dominadas pelos sentimentos negativos de inveja, ódio e despeito, resolveram fazer uma mistura poderosa, uma espécie de cola mágica. Depois, pegaram essa mistura e passaram em cima da cadeira de Omo Òsún, ao lado do trono do rei. A intenção das invejosas era que, na cerimônia de apresentação do rei à comunidade, Omo Òsún ficasse presa na cadeira e não pudesse cumprir as suas tarefas de zeladora, desapontando assim a todos.
Tudo ocorreu como as invejosas planejaram e Omo
Òsún, a querida zeladora de Òsáàlá, ao sentar-se ficou presa na cadeira e, pior, devido ao imenso esforço para soltar-se, começou a sangrar.
Os movimentos estranhos de Omo
Òsún na cadeira e depois o sangue que saia entre as suas pernas causaram a imediata indignação de todos os presentes que correram para proteger o Rei. Algumas pessoas muito revoltadas pensavam: “Como a zeladora do grande Pai Òsáàlá se comportava daquela maneira?” “Como alguém pode ofender tão gravemente ao Grande Pai  – rei do pano branco – trazendo à sua presença sangue?”.
Na imensa confusão que se formou, enquanto as invejosas davam altas gargalhadas, Omo
Òsún tentou explicar que não sabia o que estava ocorrendo, que não teve culpa, mas todos os presentes, indignados com a situação, expulsaram-na do palácio.
Omo
Òsún, sentindo-se humilhada e desamparada, sozinha no mundo, separada da sua filhinha que ficou com uma família do reino, saiu caminhando à procura de ajuda, tentando reverter aquela situação tão estranha.
Procurou a família do chefe dos caçadores, o Òrìsá Òsóòsi, depois a família do chefe dos ferreiros, o Òrìsá Ògún e assim por diante. Mas, sabendo do ocorrido no palácio do Grande Pai Òsáàlá, todos se recusaram a recebê-la.
Após longa caminhada, muito triste e envergonhada, Omo Òsún dirigiu-se ao palácio da Grande Mãe, o Òrìsá
Òsún.
A Mãe
Òsún, já sabendo da injustiça que praticaram contra a sua filha no palácio de Òsáàlá, amparou Omo Òsún e disse para ela não se preocupar que tudo seria resolvido.
A partir daquele dia, devido à atitude negativa de pessoas invejosas que geraram uma grande onda de injustiça contra Omo
Òsún, tudo, tudo no mundo virou de cabeça para baixo!
Os rios começaram a secar, os peixes morriam, os frutos apodreciam nos pés, as mulheres perdiam seus filhos, os animais adoeciam. Ocorria uma grande calamidade na terra.
As pessoas, preocupadas e estranhando o que estava acontecendo no mundo, apreensivas, resolveram consultar o grande sábio Orumilá e o oráculo de Ifá para saber o que estava sucedendo. Chegando à morada do grande adivinho na densa floresta sagrada de Ilè Ifé, as pessoas contaram ao sábio o que estava acontecendo no mundo. Orunmilá, percebendo que havia algo de realmente misterioso, resolveu consultar o oráculo de Ifá para perceber o que estava por trás de tudo aquilo.
Depois de algum tempo vendo, ouvindo e sentindo o que Ifá dizia, Orunmilá falou ao visitante o que ficou sabendo através do oráculo: “Fizeram uma grande injustiça à filha de
Òsún, atrapalharam o destino da moça, por isso está acontecendo tanta tragédia no mundo!”.
As pessoas, espantadas e muito preocupadas perguntaram o que poderiam fazer para reverterem aquela situação tão drástica. Orunmilá jogou novamente os búzios e obteve a resposta de Ifá. “Todas as pessoas e òrìsás, em sinal de desculpas pelas injustiças praticadas contra Omo
Òsún, devem urgentemente levar oferendas à Grande Mãe Òsún no seu palácio e solicitar que se restabeleça a harmonia e o mundo não se acabe”.
Os conselhos de Orunmilá se espalharam rapidamente pelo mundo visível àiyé e pelo espaço do além orun e assim foi feito. Todos se dirigiram ao palácio da grande Mãe
Òsún, levando oferendas de frutas, perfumes e jóias de cobre, solicitando as suas desculpas pela injustiça que foi cometido contra Omo Òsún. Em respostas às solicitações e às delicadas oferendas feitas pelos muitos visitantes, oferendas que enriqueciam cada dia mais a jovem Omo Òsún, a grande Mãe Òsún retribuía os presentes dos visitantes com uma pena vermelha do papagaio africano chamado ekodidé, infinitas penas vermelhas da fertilidade e da riqueza que surgiram do sangue derramado por Omo Òsún.
O Grande Pai Òsáàlá, sabendo do que estava se passando no palácio da Grande Mãe
Òsún e da injustiça que todos cometeram contra a sua querida servidora Omo Òsún, resolveu dirigir-se ao palácio da Grande Mãe Òsún com sua imensa e rica comitiva no dia do Sirè, dia da festa.
No dia do sirê, todos os òrìsás e pessoas presentes no palácio da Grande Mãe
Òsún ficaram surpresos com a presença ilustre do maior dos òrìsás, o grande Pai Òsáàlá e sua linda comitiva. Foi um rebuliço danado recebê-los, era uma beleza só.
Era tanta gente vestida de branco: chefes das aldeias com suas mulheres e filhos, guerreiros, bailarinos, cantores, cavaleiros e, bem no centro da grande comitiva, o Grande Pai Òsáàlá cercado com suas esposas que traziam nas mãos vasos repletos de flores, perfumes, búzios da costa, jóias e os mais finos vinhos de palma. Presentes que inundavam vida, paz, alegria e força por todo o àiyé/orun.
Era muito lindo ver os habitantes das terras de Òsáàlá, com suas peles negras e retintas como a noite mais profunda, todos envolvidos nos tecidos brancos mais alvos e finos a homenagear o Grande Pai Òsáàlá, a Grande Mãe
Òsún e Omo Òsún.

A Grande Mãe Òsún, com seu jeito delicado, e orgulhosa em receber aquela comitiva no seu palácio, reverenciou o Grande Pai Òsáàlá e ofereceu a ele em retribuição pela sua importante visita um pena ekodidé. Então, surpreendendo a preocupada segurança real e a todos os presentes, Òsáàlá dirigiu-se a Òsún e sua filha Omo Òsún e, agachando-se, levou a pena do pássaro ekodidé à cabeça e disse: “Como exemplo da minha gratidão à dedicação de Omo Òsún e como reconhecimento da importância do poder feminino para que haja vida no mundo, a partir desse dia usarei preso ao centro da testa, próximo a minha coroa, o "ekodidé”.
A atitude de Òsáàlá, o Grande Òrìsá, em adotar o ekodidé na sua vestimenta branco alva, repleta de pureza, força masculina e vida, mostrou a todos a dimensão e importância da harmonia entre o princípio feminino e masculino. Forças que se complementam e devem permanecer sempre harmonizadas.
A Grande Mãe
Òsún, emocionada com os gestos de Òsáàlá, tomou sua filha Omo Òsún pelo braço e entregou-a novamente sob a proteção do Grande rei para que assim ela continuasse a cumprir feliz o seu destino no mundo,   cuidar da coroa e dos paramentos do mais velho, mais nobre e mais sábio rei.
E começou o sirê, a grande festa no palácio de
Òsún! Os alabès, tocadores de percussão, dos diversos reinos yorubás se uniram para saudar aquele dia de reconciliação.
Os òrìsás presentes fizeram uma linda roda e, ao ritmo potente do toque dos alabès, dançaram belíssimas coreografias saudando a terra, a água, o ar, os animais, o vento e os ancestrais!
Enquanto isso, as invejosas, sozinhas no palácio de Òsáàlá, temendo a ira do rei, saíram correndo pelo mundo tentando esconder as suas maldades. Elas não haviam percebido que o problema não estava na vingança do rei, o problema estava naquilo que elas semearam de bom ou ruim no seu destino, sementes que por certo um dia iriam colher de volta.
Òsáàlá, o Grande Pai dança no sirê, festa, que ocorreu no palácio da Grande Mãe
Òsún. Omo Òsún, lá no palácio da Grande Mãe Òsún, muito feliz, se divertia naquela festança com comida farta, bebida em abundância. A comemoração do começo de um novo ciclo de renovação da vida no universo.
 


(Adaptação livre inspirada na obra de Mestre Didi feita por Ronaldo Martins)
 

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