quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

O Candomblé e o Tempo 3 e última parte

Para o Ocidente, o futuro é a grande incógnita a ser decifrada, controlada, um tempo a ser planejado para melhor ser usufruído. A esperança sempre se deposita num tempo vindouro para o qual são pensadas as grandes realizações que devem ser introduzidas em prol da felicidade humana. Investe-se no futuro. Olha-se para o passado procurando os erros cometidos e que devem ser evitados no presente para garantir um futuro melhor. A história ensina como agir com sabedoria e responsabilidade em face do devir. Um emblemático mote de Karl Marx diz que na história nada se repete, a não ser como farsa. Para o africano tradicional é o contrário: a repetição é o almejado, o certo, o inquestionável. O novo, o inesperado, o que não vem do passado, é o falso, o perigoso, o indesejável.
O candomblé dos dias de hoje está posto entre esses dois conceitos opostos de tempo. Um e outro remetem a concepções diversas de aprendizado, saber e autoridade. Levam a noções divergentes sobre a vida e a morte, a reencarnação e a divinização. Nesse embate, a religião muda, adapta-se, encontra novas fórmulas e adota novas linguagens. Os orixás ganham novos territórios, conquistam adeptos nas mais diferentes classes sociais, origens raciais e regiões deste e outros países. O que a realidade social das religiões no Brasil tem mostrado é que a religião dos orixás cresce e prospera (Pierucci e Prandi, 1996). Sobretudo se transforma, cada vez mais brasileira, cada vez menos africana. Mesmo o movimento de africanização, que procura desfazer o sincretismo com o catolicismo e recuperar muitos elementos africanos de caráter doutrinário ou ritualístico perdidos na diáspora, não pode fazer a religião dos orixás no Brasil retornar a conceitos que já se mostraram incompatíveis com os da civilização contemporânea. O tempo africano perde sua grandeza, vai se apagando. Permanece, contudo, nas pequenas coisas, fragmentado, manifestando-se mais como ordenador de um modo peculiar de organizar o cotidiano característico de uma religião que se mostra exótica, extravagante e enigmática.
E pouco a pouco o povo-de-santo acerta seus relógios. Sabe que o candomblé deixou de ser uma religião exclusiva dos descendentes de escravos africanos – uma pequena África fora da sociedade, o terreiro como sucedâneo da perdida cidade africana, como ainda o encontrou Roger Bastide quase meio século atrás (Bastide, 1971: 517-518) – para se tornar uma religião para todos, disposta a competir com os demais credos do país no largo e aberto mercado religioso. Uma instituição dos tempos atuais em um processo de mudança que reformula a tradição e elege novas referências, para o bem e para o mal. O tempo é tempo de mudar.





Fonte: O candomblé e o tempo - Reginaldo Prandi

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