Podemos dizer, que o Candomblé ainda guarda em suas tradições o princípio da festa proposto por Durkheim e Burke: superação das distâncias entre os indivíduos, produção de um estado de efervescência coletiva e transgressão das normas coletivas, subvertendo a ordem contemporânea, calcada numa “ética pequeno-burguesa”, e enquadrando-se naquilo que Roberto DaMatta denominou “festas da desordem”.
Graças à essa efervescência, à superação da individualidade e à transgressão das normas coletivas — ingredientes essenciais da festividade —, as festas constituem um ingrediente essencial à vida humana. “Sua perda afeta as raízes do homem no passado e rebate o seu avanço para o futuro. Entorpece sua sensibilidade psíquica e espiritual” (Cox, 1974:31).
Ser feliz, portanto: eis a verdadeira missão do homem na terra, segundo os cânones do Candomblé. E para que isso aconteça, é necessário cultuar seu orixá e festejar sua descida a terra.
No culto afro-brasileiro, os deuses assemelham-se aos homens, municionados de virtudes e defeitos. Nas narrativas mitológicas, os orixás são preguiçosos, namoradores, pacientes, invejosos, impetuosos e vingativos.
Disso se pode concluir que a ética no Candomblé não pressupõe fazer com que o indivíduo passe a enxergar o mundo com olhos outros: “Quando alguém abraça o candomblé como religião, não é necessário que se opere mudança em sua maneira de se ver estar-no-mundo” (Prandi,1991:213). Ao contrário: busca ele aqui, no próprio mundo, os meios necessários para atingir a felicidade, aliás, única missão do homem na terra.
Diversamente do que se passa com outras religiões, o adepto do candomblé necessariamente não internaliza valores morais com o objetivo de atingir um outro mundo, além deste em que vive. As regras que aprende no terreiro relacionam-se com a forma com que se deve portar nesse espaço, razão pela qual se faz possível compreender a ética no candomblé como sendo a viabilização de si mesmo, pautada numa relação de conduta entre o fiel e seu orixá, seus parentes-de-santo e com a casa de candomblé.
Assimiladas tais regras de conduta, percebe-se claramente que a ética no candomblé se constrói pela experiência vivida no cotidiano do terreiro. A essa experiência — advinda, conseqüentemente, com a apreensão de tal “ética” —, contrapõe-se e complementa-se o corpo, elemento concreto, que deixa exposto, na própria carne, por meio de incisões e cortes, a sabedoria afirmada no processo de iniciação e o ingresso no grupo. E é no corpo e com o corpo que o adepto passa a atuar — síntese dos elementos estéticos que a ele acompanham: indumentárias, cores, comidas, objetos sagrados.
O corpo no candomblé não é, portanto, apenas um veículo da alma ou um receptáculo que contém algo etéreo — espírito, alma —, mas, como destacou Juana E. dos Santos (2001:44), “no candomblé, ele é concebido como um verdadeiro altar vivo, e em comunicação contínua com o mundo da natureza que o abrange. A sua forma, as suas cores, a sua postura o ligam à natureza”.
Fonte: Prof. Dr. Tadeu dos Santos - UNIMES/UNISANTA
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