quinta-feira, 17 de março de 2011

Porque se iniciar ou não no Candomblé


Com a globalização e a Internet é difícil esconder segredos guardados a sete chaves como acontecia há uma centena de anos pelos antigos do candomblé. A finalidade de se guardar esses segredos era justamente para que não caíssem em mãos erradas e fossem usados para fins inescrupulosos como acontece nos dias atuais.
O candomblé é uma religião iniciática. No entanto nem todos nasceram para serem sacerdotes, gostaria de salientar que essa iniciação só deve ser feita em última instância, em caso de extrema necessidade, quando não houver outra alternativa.
A iniciação no candomblé não é uma coisa que se faça levianamente sem observar as conseqüências provenientes de erros, caso o pai ou mãe de santo não estejam devidamente preparados para isto.
Por que iniciar uma pessoa que não precisa ser iniciada? Só pelo dinheiro? Há muitos “sacerdotes” fazendo isso sem nenhum escrúpulo. São os mercenários de nossa religião que não tem o menor respeito pelo Orixá e muito menos pelas pessoas desavisadas que caem em suas mãos.
Sempre que for fazer uma consulta em qualquer casa de candomblé, fique atento, não dê dinheiro algum sem antes confirmar em outros lugares se é isso mesmo que estão dizendo. Se disserem que tem que fazer um ebó, borí, ou iniciação, vá jogar em outros lugares para confirmar a resposta do jogo, se for igual em pelo menos três lugares diferentes então faça. Caso contrário não faça nada, não gaste seu dinheiro sem saber realmente o que é preciso ser feito.
Muitos pensam que é só fazer o santo e já pode ser pai ou mãe de santo, a coisa não é bem assim… Não é porque alguém se iniciou, que obrigatoriamente terá que abrir uma casa ao completar sua iniciação na obrigação de sete anos. Não são todos filhos de santo que tem cargo para ser um sacerdote. O sacerdote já nasce com essa missão e em proporção seria 1 em cada 1000 que deveria se preparar para essa árdua tarefa.
O que está acontecendo no candomblé é uma distorção grave, quando se pensa que todo ìyáwò tem que abrir casa. Um absurdo!
Muitos não têm nem fibra e nem capacidade para ser um líder, abrem suas casas e depois de um tempo despacham tudo no rio e vão para as igrejas evangélicas como se isso resolvesse o problema.
Os culpados dessa decadência da religião são os pais e mães de santo que inventaram essa nova modalidade de ganhar dinheiro, pois cada ìyáwò que o sacerdote despreparado for tirar terá que chamar um pai ou uma mãe para raspar porque ele não sabe. Pois não conviveu o tempo suficiente na roça para aprender o mínimo necessário e já abriu uma casa. Não podemos esquecer que existem muitos sacerdotes dignos, que levam o culto a sério e se preparam durante muito tempo antes de assumir uma casa e todas as conseqüências que a mesma trás, mostrando um culto limpo, cheio de magia e lendas riquíssimas. Trazendo a evolução do homem e mostrando que cada um tem o seu caminho evolutivo.
O candomblé não se resume às festas de barracão, a festa é só a ponta do iceberg, não é só chegar na hora da festa para dançar, candomblé não é só isso. O candomblé propriamente dito começa semanas antes de cada festa, com muitas pessoas na casa lavando, passando, cozinhando, limpando e enfeitando, quando você entra no barracão e vê as bandeirinhas no teto da cor do Orixá que está sendo homenageado, alguém teve que comprar cortar e colar as bandeirinhas e colocá-las no lugar para que o barracão fique bonito.
As anáguas, toalhas brancas, ojás precisam ser engomadas e passadas, (detalhe na maioria das roças é no tanque por não ter máquina de lavar e quanto tem não é usada porque gasta muita luz) isso normalmente é feito pelas ekedjis ou pessoas que moram na casa de candomblé, mas e as suas anáguas quem vai engomar? Quem vai passar? É durante o período de abiyan que muita gente vai aprender a lavar suas roupas, engomar e passar para poder usar na festa.
Caso não saiba lavar roupa ou nunca lavou terá que aprender ou pagar para que alguém faça. Na maioria das vezes é do que vivem as pessoas que moram dentro de uma casa de candomblé, lavam e passam as roupas dos que não sabem ou não tem tempo para fazer.
Durante as semanas, diversas obrigações são feitas, de acordo com a determinação do jogo de búzios, Exús, Eguns e os Orixás homenageados.  Os bichos precisam ser limpos por alguém e tratados pois será servido uma parte para os Orixás e outra parte para todos os presentes na festa.
Você já limpou uma galinha, um pato, um pombo ou um cabrito?
Ahhh! tem dó?!!!, Tem nojo? ah bom!!! Então pode ir pensando no assunto, na hora de tirar as penas todo mundo tem que ajudar não importa cargo, é uma das coisas que os abiyans e iyawos podem fazer.
Alguém precisa limpar a casa e deixar impecável para a festa e os  convidados. Isso os abiyans e iyawos também podem fazer sem problemas. Se você  nunca varreu sua casa, vai aprender a varrer barracão e quintal que normalmente são enormes. A comida precisa ser preparada e estar pronta antes de começar a festa para que aqueles que estavam no fogão possam tomar banho e se arrumar.

Quando chegar num candomblé e notar algumas pessoas com cara de cansadas e cochilando em alguma cadeira, não repare, com certeza essa pessoa deve estar com todos os ossos do corpo doendo de semanas de trabalho duro para que você possa ver uma festa bonita.
Se você é leigo no assunto, procure conhecer um pouco mais antes de fazer qualquer coisa. Não deve se iniciar só  porque acha bonito, porque gosta das roupas, porque gosta do ritmo envolvente sem pensar nas responsabilidades e conseqüências da iniciação. Não se inicia para depois de um ano chegar à conclusão que não era bem isso que queria.
Quando se iniciar no candomblé estará criando um vínculo com o seu Orixá, com a casa, com o pai ou mãe de santo, você passa a fazer parte de uma comunidade, por isso deve escolher bem a casa.
Antes de qualquer coisa é necessário consultar vários jogos de búzios para saber se todas as respostas de jogo são iguais, não se deve confiar cegamente em ninguém.
Somente depois disso dá para saber se precisa realmente ser iniciado ou não, desta forma pode-se escolher a casa e o pai ou mãe de santo que mais lhe inspire confiança, procurar saber quem são seus ancestrais, em que casa ele foi feito, tudo isso para não ter surpresas e aborrecimentos no futuro. Estou dizendo isto porque existem muitas pessoas com casa aberta e nem são iniciados no candomblé e dizem que são. Uma pessoa que não foi iniciada, não pode iniciar outras pessoas, porque não recebeu o Axé de ninguém. E pelo que me consta ninguém pode dar aquilo que não tem.
Mesmo que lhe digam que precisa ser iniciado (fazer o santo), tenha calma e não vá fazendo no primeiro lugar que lhe disseram, procure outros lugares, se informe, o santo não vai te matar se você não fizer imediatamente, se ele é seu Orixá ele quer o melhor para você. Por isso mesmo existem os abiyans nas casas de candomblé, são pessoas que participam das festas e algumas obrigações na casa sem a responsabilidade de ser um iniciado.
Para fazer parte do candomblé não pode ser preguiçoso, se está pensando que vai chegar numa roça de candomblé e ficar encostado olhando os outros trabalharem, esqueça, todos trabalham por igual em prol da comunidade, se é uma casa prá todos os filhos, todos os filhos tem que ajudar.  E não é ao pai ou mãe de santo que estão ajudando. Quando limpar a roça pense que alguém está fazendo a comida que você vai comer e o que você está fazendo se reverterá em benefício de todos e para que todos tenham um lugar agradável e limpo para ficar.
Durante o período de abiyan é que você aprende a dançar no barracão, aprende as cantigas, convive com todos da roça e tem a possibilidade de conhecer um por um, nesse período é que você vai descobrir se está no lugar certo, caso não seja poderá ir para outra casa, pois ainda não tem vínculo nenhum com o pai ou mãe de santo e nem com a casa.
O Axé é transmitido do pai ou mãe de santo para o iniciado de diversas formas, uma delas é na iniciação através do Adoshu que é colocado na parte superior da cabeça, onde penetrará o Axé ali depositado.
O Axé vai sendo transmitido aos poucos, através das rezas, cantigas, banhos, boris, na feitura, na obrigação de 1 ano, 3 anos, (em algumas nações tem a de 5 anos), 7 anos, 14 anos, 21 anos de santo, daí em diante enquanto o pai ou mãe for vivo.
O certo é permanecer na casa onde se foi iniciado, mas em decorrência de muitos desentendimentos entre pais e filhos de santo tem havido uma constante mudança de casa.
Para os que não sabem…você nunca vai ser tratado em outras casas como na casa onde você foi iniciado, existe uma diferença, ou seja (você não é do meu Axé), pode ser muito bem camuflado mas que esse sentimento existe, existe….
Na primeira discussão você pode ouvir isso, não digo do pai de santo, mas dos outros filhos da casa com certeza.





Fonte: http://povodosanto.wordpress.com
http://www.marceloalban.com.br/index_arquivos/iniciacao.htm

Retificando fonte original do texto: Egbomi Jurema D'Oxum, também conhecida como Jurema Oliveira.

5 comentários:

  1. Parabéns pelo texto! Ilustre! Verdadeiro e coerente! Fiquei feliz de saber que ainda existem pessoas que fazem o bem e querem o bem do próximo, sem pensar somente no dinheiro! Omio odo xererê

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  2. Nossa, impressionante o texto... realmente me surpreende o fato do orixa confirmar em jogos diferentes as coias, foi assim comigo, isso nos da mais confiança.
    Admiro como a senhora trata a religião, pois a vaidade atrapalha muitos terreiros hj, as pessoas vão em busca de coisas "sobrenaturais", qnd na verdade a essencia da espiritualidade, esta na simplicidade.
    Amei o texto, quem dera pudesse aprender sempre em tão poucas linhas.

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  3. ADOREI O TEXTO APRENDE MUITAS COISAS PORQUÊ ESTOU FREQUENTANDO UM TERREIRO E O PAI DE SANTO QUERIA FAZER MEU SANTO AGORA VOU TRATAR DE TER CERTEZA SE ISSO É NECESSÁRIO JOGANDO EM OUTROS TERREIROS PARA SABER O RESULTADO DOS JOGOS E FINALMENTE FAZER MINHA ESCOLHA,OBRIGADO PELA A ESPLICAÇÃO.

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  4. A autora desse texto é a Egbomi Jurema D'Oxum, também conhecida como Jurema Oliveira, pesquisadora e editora da Wikipédia sobre religiões afro-brasileiras.

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  5. Motumbaxé, Motumbá Elaine,

    Obrigado, e desculpe pela observação em seu site, fiz vários textos a tempos atrás e já nem me lembrava do conteúdo, quando lí falei comigo mesma, eu conheço esse texto. hehe

    Não tem de que, Elaine, afinal somos de mamãe e sei que você não fez por mau. Vou continuar sim esse trabalho, ele é demorado mas nos últimos 10 anos já estou vendo algum resultado positivo.

    Um grande abraço, Axé

    Jurema D'Oxum

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