OS RITUAIS DE SACRIFÍCIO
O culto demanda sacrifício de sangue animal, oferta de alimentos e vários ingredientes. A carne dos animais abatidos nos sacrifícios votivos é comida pelos membros da comunidade religiosa, enquanto o sangue e certas partes dos animais, como patas e cabeça, órgãos internos e costelas, são oferecidas aos Òrìsà. Somente iniciados têm acesso a estas cerimônias, conduzidas em espaços privativos denominados quartos-de-santo. Uma vez que o aprendizado religioso sempre se dá longe dos olhos do público, a religião acaba por se recobrir de uma aura de sombras e mistérios, embora todas as danças, que são o ponto alto das celebrações, ocorram sempre no barracão, que é o espaço aberto ao público.
Os ritos de sacrifício animal são destinados aos Òrìsà e outras formas de espíritos. Olórun ou Olódùmarè, o Ser Supremo, não solicita sacrifício com derramamento de sangue nem oferenda, pois Ele está acima das contingências por ser o Senhor das Essências, sem figurações, porque Infinito não pode ser traçado. A comunicação Homem-Deus é feita por pensamento e a palavra por excelência é Àse, que significa “que assim seja”, ou “que Deus permita que isto aconteça”, da qual os Òrìsà são seus intermediários e encaminhadores dos pedidos.
Sacrifício – vem da palavra sacrificar que no sentido religioso é oferecer em holocausto por meio de cerimônias próprias. Sua origem etimológica é sacr (de origem provavelmente judaica) e a palavra latina ofício).
No Candomblé, esta parte do ritual denominada de sacrifício não é propriamente secreta; porém não se realiza senão diante de um reduzido número de pessoas, todos fiéis da religião. Deve-se temer que a vista do sangue revigore entre os não iniciados, os estereótipos sobre a barbárie ou o caráter supersticioso da religião africana.
Uma pessoa especializada no sacrifício, o Asogun, que tem tal função na hierarquia sacerdotal, é quem o realiza ou, na sua falta o Bàbálòrìsá ou Ìyálòrìsá. O Asogun não pode deixar o animal sentir dor ou sofrer porque a oferenda não seria aceita pelo Òrìsá. O objeto do sacrifício, que é sempre um animal, muda conforme o Òrìsá ao qual é oferecido; trata-se, conforme a terminologia tradicional, ora de um animal de duas patas, ora de um animal de quatro patas, galinha, pombo, bode, carneiro. Na realidade não se trata de um único sacrifício: sempre que se fizer um sacrifício a qualquer Òrìsá, deve ser antes feito um para Esú, o primeiro a ser servido.
Esse sacrifício não é só uma oferenda aos Òrìsás. Todas as partes do animal vão servir de alimento, nada é jogado fora. O couro do animal é usado para encourar os atabaques, o animal inteiro é limpo e cortado em partes, algumas partes são preparadas para os Òrìsás e o restante é destinado aos demais. Tudo é aproveitado: até a porção oferecida aos Òrìsás é posteriormente distribuída entre os filhos da casa como o Asè do Òrìsá. É usada para confraternização: unem-se os filhos a comer com o pai ou mãe, havendo repartição do Asè gerado pelo Òrìsá. (Acredita-se que após algum tempo que a comida esteja no Peji ela fica impregnada pelo Asè do Òrìsá). O sacrifício no candomblé é a renovação do Asè, feito uma vez por ano para cada Òrìsá da casa ou em circunstâncias especiais.
Os reinos animal, vegetal e mineral está à disposição do ser humano. Eles liberam energias que são dirigidas ao destino especificado, segundo os desejos e objetivos. Este processo que os menos esclarecidos costumam chamar de feitiçaria, é denominado magia. Cada Òrìsà possui um determinado animal, vegetal, mineral e comidas, e tudo libera energia. É uma alquimia que depende de muita habilidade, como a do Asògún, que sabe exatamente como segurar uma faca, como a Ìyá gbàsè, que conhece os ingredientes do prato, e a Ìyálórìsà, que sabe o Orò determinado, que conhece as regiões do corpo humano onde estão localizados os centros de força em que atuam os Òrìsà e o que eles representam por ocasião dos oferecimentos. Convém lembrar que certas partes do corpo humano são tocadas e utilizadas por ocasião de determinados ritos: o Bori, por exemplo.
Todo ser humano possui um corpo físico, o Ara, e um corpo metafísico, denominado Enikéjì, literalmente a 2ª pessoa. A magia dos trabalhos que se realizam no corpo físico tem por objetivo penetrar o mundo metafísico, alcançar a matriz para modificar ou restabelecer o equilíbrio da cópia, através das energias mineral, vegetal e animal. Orientado pela intenção, o desejo atinge o alvo, liberando as propriedades necessárias:
Kò má ìkú — nada de morte
Kò má’run — nada de doenças
Kò má sè jó — nada de problemas
Kò má èpè — nada de maldades
Àarin dede wa — entre todos nós.
O sangue é o elemento considerado indispensável, pois se a vida do animal está no sangue, por essa razão é o primeiro elemento a ser oferecido às divindades, sendo colocado em cima dos assentamentos, que representam o próprio Òrìsà. Recebendo a vida, preservam a da pessoa, estabelecendo uma troca. Os animais são selecionados pela sua natureza, pela sua tranqüilidade e o calor do seu corpo, de acordo com a necessidade do momento.
A cabeça do animal é oferecida em troca da cabeça da pessoa. Trata-se, portanto, de um ritual de troca.
“Orí eran e gbá, e máse gba orìì mi”. (Receba a cabeça do animal, deixe a minha em paz.)
Após o sacrifício, a cabeça do animal é colocada, desamarrada, em cima do assentamento. É o jogo que diz o que o Òrìsà deseja, os animais e os oferecimentos. Para todo animal de quatro patas são feitos sacrifícios de aves para cada pata do animal; a isso se dá o nome de Ìbòsè, que significa cobrir os pés, ou seja, calçar as patas do animal. Determinado o número de animais, estabelece-se a ordem dos oferecimentos:
1º Animal de quatro patas
2º Calçar o animal de quatro patas
3º Oferecimentos de galinha ou galo/
4º Pato
5º Galinha d’angola
6º Pombo
7º Ìgbín (Caramujo)
Além do sangue, da cabeça e das patas, outras partes dos animais são tratadas de forma especial: Èdò, o fígado; Fúkùfúkù, pulmões; Iwe, a moela; Okán, coração; Iwe Inú, rins. São consideradas partes vitais e oferecidas às divindades num ritual denominado de Ìyanlé. As partes restantes, dependendo do tipo de sacrifício, são preparadas para serem servidas aos praticantes, numa manifestação comunitária em que a vida é celebrada em ritual de festa e confraternização.
A força sagrada… O conteúdo mais precioso do terreiro é o Asè. É a força que assegura a existência dinâmica, que permite o acontecer e o dividir. Sem Asè a existência estaria paralisada, desprovida de toda a possibilidade de realização. É o princípio que torna possível o processo vital.
Sacrifício não é sinônimo de assassinato, está relacionado a ritual sagrado, no Candomblé, sacrificar significa ampliar, acumular e distribuir a força vital e chamamos esta forca de Asè. Boa parte das religiões utilizava sacrifícios, em seus rituais, mas na maioria das vezes num sentido expiatório, não se aplicando essa noção ao Candomblé por um motivo aparentemente simples: No Candomblé, não existe pecado, portanto não há o que expiar, pois acreditamos na ação, reação e conseqüências.
Entre os cristãos, por exemplo, a extinção do sacrifício (em termos reais), justifica-se pela morte de Jesus, o Cristo, que teria morrido para salvar a humanidade, no mais importante sacrifício que o mundo assistiu. Ocorre que Jesus morreu pelos Cristãos, e não pelo Candomblé, e isso significa, na realidade, que os ritos processados em outras doutrinas religiosas não fazem nenhum sentido para os Òrìsás; da mesma forma que os rituais de Candomblé fogem a compreensão das outras denominações. Esta é uma das principais razões dos terreiros de candomblés serem considerados espaços marginalizados.
Inclusive vemos no livro Cristão, quando (Jesus é apresentado ao templo Lucas 2:21, cumpridos os oito dias para circuncidar o menino, foi-lhe dado o nome de Jesus, que pelo anjo que lhe fora posto antes de ser concebido. Quando e completaram os dias da purificação, segundo a lei de Moisés, levaram-no a Jerusalém para o apresentar ao Senhor, conforme o que está escrito na lei do Senhor. Todo primogênito será consagrado ao Senhor, e para dar a oferta segundo o que está disposto na Lei do Senhor: Um par de rolas ou dois pombinhos. )
Em outras palavras, o Candomblé só se explica pelo Candomblé, não adiantando recorrer à bíblia para explicar e muito menos condenar as práticas da religião dos Òrìsás.
O sangue é de importância vital para os Òrìsás, pois está ligada à concepção, à fertilidade, ao nascimento e a todas as etapas da vida. Acreditamos que sem sangue não há Asè, ninguém nasce sem sangue. Quando deixar de haver sacrifícios, o Candomblé deixará de existir.
Não se derramam o sangue do animal por maldade ou crueldade e muitos menos para fazer mal a alguém. O sacrifício é a condição para que a vida continue, e não apenas no Candomblé. Todos se alimentam, seja de carne, seja de vegetal, e um boi pode ser comido em bifes, ou seja, em partes e depois de morto; uma alface, ao ser desconectada de sua raiz, também é morta. Por que não se pode atribuir um significado religioso a um ato essencial para a sobrevivência humana? Será mesmo que a condenação do Candomblé se deve ao sacrifício? Não seria uma forma da sociedade camuflar preconceitos mais profundos?
O ritual macabro não está nos Candomblés, e sim nos matadouros, onde os animais são submetidos a inúmeras crueldades e morrem com muito sofrimento. Imaginem um animal ainda vivo tendo a sua pele arrancada: isso é um exemplo que ocorre nos matadouros. É por isso que a carne que será consumida pelos iniciados do Candomblé deve ser sacralizada por meios de rituais específicos, a carne de um animal que morreu com o sofrimento não faz bem a ninguém. Os Judeus e Muçulmanos, por exemplo, só comem carnes de animais abatidos de acordo com seus preceitos, por que o Candomblé não pode fazer o mesmo?
É um absurdo acusar o Candomblé de fazer sacrifícios humanos, como têm feito certas igrejas. O Candomblé não é uma religião hipócrita e assume o que faz. São sacrificados, sim, bois, bodes, galinhas, patos e muitos outros animais, que depois servem de alimentos à comunidade, mas nunca seres humanos, pois o Òrìsá vive no Homem e através do Homem.
Todo homem sacrifica não necessariamente num sentido religioso, e mata para sobreviver. Que mal pode haver em oferecer aos Deuses as partes que o homem não consome?
Lembre-se de que Jesus foi condenado à morte por pessoas que viriam a santificá-lo depois, fazendo o sinal-da-cruz, adorando a sua imagem ensangüentada. Pois que fique bem claro: Não somos contra o homem Jesus, mas contra os homens que mataram Jesus. Nós não matamos nossos Òrìsá, “nós os amamos com todos os seus defeitos e qualidades”!
Para o Candomblé tudo que a natureza produz é sangue, pois o que define o sangue é a força que detém o asè, ou seja, o Asè é um sacrifício que requer a utilização de vários tipos de sangue, vindos das mais variadas fontes da natureza, atribuindo vida e sentido ao Òrìsá, aos homens e à própria existência.
SANGUE VERMELHO
O sangue divide-se em três categorias:
O Vermelho, O Preto e o Branco, e os elementos detentores de asè são encontrados nos reinos animal, vegetal e mineral, configurando a parte material, visível e palpável da força vital.
O sangue vermelho do reino animal é representado pelo fluxo menstrual, pelo sangue dos animais e pelo sangue humano, portanto todas as pessoas são portadoras do Asè. No reino vegetal, o azeite de dendê, o osùn e o mel extraído das flores são os melhores exemplos. Os metais como o bronze e o cobre são portadores de sangue vermelho proveniente do reino mineral.
O sangue vermelho está mais diretamente relacionado às coisas quentes, ao movimento e ao fogo, razão pela qual os Òrìsás que exigem uma quantidade maior desses elementos dominam exatamente esses aspectos da natureza, como Esù, Sangò e Yànsán!
SANGUE PRETO
No reino vegetal o sangue preto é encontrado principalmente nas cinzas de galhos e folhas das árvores sacrificados, sendo a cor verde variação da cor preta, assim como o azul, o sumo das folhas, o pó azul chamado waji que é extraído das árvores, são exemplos de sangue preto do reino vegetal. Já no reino mineral, encontramos o carvão e o ferro.
A esses elementos relacionam-se diretamente os Òrìsás da terra como Ògún, Òsóòsi, Osàniyn e muitos outros. Isso não quer dizer evidentemente, que Deuses ligados a outros elementos não os utilizem, porém da mesma forma que a cor vermelha é imediatamente associada ao fogo, o preto é associado à terra e o branco a água e o ar.
SANGUE BRANCO
O sêmen, a saliva, o hálito, as secreções e o plasma são considerados os portadores de sangue branco do reino animal. O caracol sacrificado para Òsáàlá é um bom exemplo de animal de sangue branco. No Reino vegetal está o sumo das plantas leitosas e nas bebidas alcoólicas extraídas das palmeiras e de outros vegetais, também está no iyèrosùn (pó utilizado pelos Bàbálawos no Opelé Ifá), e no ori (espécie de banha vegetal). No reino mineral temos o sal, o efun (espécie de giz), a prata, a água e o chumbo.
Todos esses elementos são portadores de asè e combinados reforçam, ampliam e restabelecem a relação entre os homens e os Òrìsás. O Asè é uma força vital que pode ser acumulada, aumentada, e o sacrifício, com a utilização das mais variadas fontes de Asè, provenientes da natureza, é que fortalece o poder dos Òrìsás, do Candomblé e do povo do santo!
Fonte: Ìgbá - a utilização da cabaça
Fonte: www.http://toluaye.wordpress.com/
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