quinta-feira, 27 de outubro de 2011

"Sacrifício" ou "matanca cruel" de animais nos cultos do Candomblé?

Mediante as últimas polêmicas geradas sobre a lei de sacrifício de animais em rituais religiosos, que tenta proibir assim, o direito à nossa fé, aos nossos costumes e a nossa tradição, deparei-me com esse texto bem objetivo e lúcido do amigo Ogan Marcos e resolvi postar. 
Agradeço a gentileza do amigo, que autorizou a sua postagem! Àwúrè!





"Sacrifício" ou "matança cruel" de animais nos cultos do Candomblé?


Primeiramente, a bênção de quem é de bênção. Meus respeitos a todos os mais velhos, aos mais novos e aos "não nascidos" (abiyan), que são a semente do futuro de nossos cultos.

Não é pretensão minha discorrer com "autoridade" sobre esse assunto, mas tentar expor a minha visão como adepto, crente, dos rituais do Candomblé. E também pedir desculpas em meus deslizes no português. Não revisei o texto.

É importantíssimo salientar, que não é prática do Candomblé, qualquer tentativa de "catequizar", ou angariar adeptos de qualquer forma. ("Trago o seu amor em 3 segundos"... esqueça. Isso não é Candomblé). 

Na prática do dia-a-dia de um terreiro constata-se que não somos nos quem "escolhemos" o Candomblé. Antes, fomos "escolhidos" para a prática dos rituais destinados a adoração do Divino. 

Conseguinte, também não é a minha intenção outra a não ser tentar ajudar, de alguma forma, desmistificar às inverdades atribuídas aos nossos cultos, muitas vezes motivadas pela ignorância (falta de conhecimento), ou com o intuito proposital de denegrir. 

Agó mi.

O Candomblé é essencialmente iniciático. O conhecimento é adquirido na medida em que o adepto recebe a preparação para lidar com o que aprendeu. A palavra Awó (traduzida na prática como segredos) é na verdade um sistema de ensino gradativo. Por tanto, não o faremos qualquer referência a estes pontos particulares dos cultos.

É um sistema de cultos adaptados aqui no Brasil por nossos ancestrais Africanos após à Diáspora. 

Por tanto, é um conjunto de liturgias herdado, sistematizado aqui, e é a primeira forma de culto ao Divino genuinamente Brasileiro. Logo, não é um culto "Africano", mas de matriz africana, assim como, os decorrentes posteriores.

Para os nossos mais antigos, a comida era sagrada (ainda o é), por manter a vida doada pelo Divino. Já que não podemos originá-la, a mantemos através da vida de outro ser vivo.

O Candomblé órbita à culinária, praticamente tudo remete-se ao alimento ou está envolvido nele. 

Na sua origem Africana, a escassez de alimentos era e, ainda o é em algumas regiões, muito grande. Então, quando havia alimento para as aldeias e tribos era motivo de alegria para aquele povo. 

Esse fato é a razão dos nossos Sirè (roda, festa em torno do Asè) onde o nosso povo tem a oportunidade de "comer todos juntos com o Divino", numa celebração repleta de alegria e comunhão. 

Daí, oferecer "alimento" como reverência ao Divino, é a forma que perpetuamos em nossos cultos, manifestos em festividades (algumas públicas, outras particulares aos filhos da casa).

Considerando, que nem todas as pessoas são "vegetarianas" (alimentam-se da Vida, da Essência de plantas), muito do nosso culto herda o costume de comer carne de animais (prática verdadeiramente atávica).

Ora, considerando-se ainda que não é costume humano comer animais ainda vivos, de alguma forma eles devem ser abatidos, preparados para o consumo do homem.

Às vezes, penso que as pessoas acreditam que "frangos já nascem mortos e ensacados nas geladeiras de supermercados e inclusive, com código de barras". Não. Por questões de economia, muitos são abatidos cruelmente, depenados em água quente enquanto o corpo ainda treme sob os reflexos nervosos. (basta procurar no YouTube e se horrorizar).

Com base nessas premissas, vamos entender que por se tratar de objeto dedicado ao Sagrado, aquele "franguinho" que ainda cisca nos nossos terreiros, para cada Sacerdote ele não é um "simples franguinho". Ele "É O FRANGO!", tratado como sagrado ainda em vida e assim respeitado até o momento de ser consumido por todos da comunidade.

Existem preceitos rígidos que orientam a forma de imolar cada animal, fazer o sacrifício (do Latim, "sacro fatio", fazer sagrado, sacralizar...).

E não é qualquer um que chega lá e "pimba"... Não, o Sacerdote encarregado daquele ato litúrgico ele é por muito tempo preparado, observando e aprendendo com os mais velhos, cada detalhe até estar apto e digno dos atos sagrados. 

Cada parte dos nossos cultos é composto por diversos e infindáveis DETALHES. E não adianta tentar-se oferecer 99,9% do certo. Ou está certo ou está errado, logo sem valor na prática.

Que hajam distorções nesses conceitos que, aparentemente seja "romantismo de minha parte", devemos considerar o Livre Arbítrio de quem pratica o culto. O conhecimento existe e é preservado ao longo de gerações, mas estes podem ser adulterados ou pela ignorância ou pelo desrespeito à ancestralidade. Assim como acontece com outras práticas religiosas em que nem todos os sacerdotes são dignos de seus cargos investidos.

Logo, quando algum dos irmãos, não Candomblecistas, for convidado à ir a uma Festa, pode ir sem medo. E, principalmente, façam o Ajeum ("comida"). Nós acreditamos em um Deus que canta, dança e come junto conosco. 

Parafraseando o Doté Heraldo de Xangô: "COMO PODE SER CHAMADA DE "MACUMBA", UMA RELIGIÃO CUJO O OBJETIVO É HARMONIZAR O HOMEM À NATUREZA? DEVERIA SER CHAMADA DE "BOACUMBA"."

Portanto, a frase com a qual comecei a escrever essa humilde nota, tornou-se o fechamento do texto: 

NÃO QUEREMOS SER TOLERADOS. MERECEMOS RESPEITO, APENAS.

Bàbá mi Gbogbo asè o!



Texto gentilmente cedido por Ogan Marcos.

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