quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Baluartes do Candomblé - Mãe Beata de Yemojá



Uso esse blogger com a intenção de falar sobre a minha religião, O Candomblé, que tanto amo e respeito. Não me prendo a colocar aqui fundamentos ou conhecimentos litúrgicos, porém, preocupo-me a externar os grandes feitos dessa religião de cultura milenar, que ainda nos tempos de hoje, sofre com estigmas e preconceitos. 
Sem a menor pretensão de auto-promoção, apenas tentando compartilhar aprendizados que venho ganhando ao longo da minha vida espiritual. Por este motivo, surgiu a idéia, em sempre que possível, homenagear a personalidades do nosso Candomblé. Pessoas que com sua garra, determinação e realizações, vem trabalhando para que o Candomblé possa ser visto com outros olhos por pessoas que desconhecem à nossa cultura, e insistem a nos desrespeitar e desmoralizar. Por conta dessas pessoas, da sua expressividade e postura diante da religiosidade, acabaram por virar baluartes e ícones da nossa religião, e que possuem sabedoria à transbordar pelo poros
A homenageada será Mãe Beata de Yemojá, em razão dos seus recentemente completados 80 anos de vida. Uma sábia senhora que embora tenha passado por toda sorte de adversidades na vida, conserva uma grandiosidade na alma e uma contagiante alegria de viver, além de uma fé nos Òrìsás inabalável. Um exemplo certamente a ser respeitado e seguido por todos nós, adeptos da religião afro. 

Mo Júbá Mãe Beata de Yemoja!!! Àwùré Ìyá Mi!


Quem é Mãe Beata de Yemojá?

Filha de Maria do Carmo e Oscar Moreira. É Iyalorixá do Candomblé em Nova Iguaçu, Rio de Janeiro. Seu primeiro bori foi em 1944 com o babalorixá Dionísio Aguiar Pereira de Logunedé. Estavam presentes Severino de Oxóssi, Veve de Iemanjá, Eduardo de Ijexá.
Foi iniciada no candomblé a 26 de Junho de 1956 por Mãe Olga do Alaketu para a orixá Iemanjá. Estavam presentes mãe Regina Bangboshê, Dona Pombinha de Oxossi, Dona Bia de Omolu, Arsênia de Nzazi do Terreiro Bate Folha, Irene de Xangô Bangboshê, Maria Joana do Alákétu de Iansã.
Recebeu Oye em 1985 ainda em Salvador.

Mãe Beata de Yemonjá, nome pelo qual é conhecida Beatriz Moreira Costa, nasceu em Salvador, BA, em 20 de janeiro de 1931, radicando-se em Miguel Couto, Nova Iguaçu,RJ. Ialorixá do Ilê Omi oju Aro, casa das Águas dos olhos de Oxossi, localizada no Rio de Janeiro, Mãe Beata, por volta de 1980, transformou-se em umas das mais celebradas personalidades do candomblé, do Rio de Janeiro. É umas das integrantes do ICAPRA, Instituto cultural de apoio e pesquisa às religiões afros, a qual visa a difusão das heranças e tradições dos povos brasileiros de origem africana, centrando-se, especialmente, na transmissão religiosa. Mãe Beata, luta demasiadamente por justiça social, realiza trabalhos com soropositivos e doentes de AIDS, sendo também conselheira do MIR (Movimento Inter-Religioso), membro do Unipax (que luta pela paz), integrante do Conselho Estadual dos Direitos da Mulher e, há 13 anos, é presidente de honra da Ong Criola.
No ano de 1997 lança o livro Caroço de Dendê: a sabedoria dos terreiros, pela Pallas editora e em 2004 Histórias que a minha avó contava, pela Terceira Margem. Contadora de histórias, Mãe Beata não faz mais que relatar as tradições e heranças da cultura africana, desde sua infância cercada por descendentes de ex-escravos. Neta de portugueses e africanos escravizados na África, em seguido conduzidos ao Brasil, passou a sua infância nos arrabaldes de Cachoeira do Paraguassu, Bahia, cercada pela presença de mãe Afalá e por outras mulheres de origem africana, essencialmente, pela avó paterna, mulher que, segundo Mãe Beata em seus relatos, “tratava de todos no engenho com suas ervas e mezinhas”.  (Caroço de Dendê, pág, 12.)
Beata de Yemonjá, desde a sua juventude, por meio de uma memória coletiva, relata as histórias e os mitos que permeiam a formação da cultura afrobrasileira. Nos dizeres de Vânia Cardoso: “A dinâmica da transmissão oral destas histórias dentro das comunidades-terreiro e a interação entre contadores e ouvintes no dia-a-dia dos terreiros nos levam a pensar nos contos de Mãe Beata como, de certa forma, uma criação coletiva destas comunidades, individualizados pela sua criatividades como contadora de histórias.” (Introdução à Caroço de Dendê , pag13).
Observar-se-á, nas suas narrações, que os mitos da tradição e a memória coletiva são delineadores do seu estilo de construção literária. Na realidade seus contos são as vozes de um tempo e de um espaço, os quais representam a sociedade afro-brasileira. Beata de Yemonjá assim narra o seu nascimento: 

"Minha mãe chamava-se do Carmo, Maria do Carmo. Ela tinha muita vontade de ter uma filha. Um dia, ela engravidou. Acontece que, num desses dias, deu vontade nela de comer peixe de água doce. Minha mãe estava com fome e disse: 'Já que não tem nada aqui, vou para o rio pescar.' Ela foi para o rio e, quando estava dentro d'água pescando, a bolsa estourou. Ela saiu correndo, me segurando, que eu já estava nascendo. E eu nasci numa encruzilhada. Tia Afalá, uma velha africana que era parteira do engenho, nos levou, minha mãe e eu, para casa e disse que ela tinha visto que eu era filha de Exu e Yemanjá. Isso foi no dia 20 de Janeiro de 1931. Assim foi o meu nascimento.”


É exatamente nesse contar histórias e nessa luta impetuosa por eqüidade social que Mãe Beata caminha. Percebe-se, portanto, que ela é um grande expoente da cultura negra no Brasil, figura central para compreensão e transmissão da tradição religiosa, uma vez que é o fio condutor da força vital (axé). Filha de Exu e Yemanjá - a mensagem e a comunicação - a escritora propala aos seus seguidores o vasto continente cultural e a história dos povos de origem africana.
                  

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Sua mãe, mulher negra trabalhadora, mas de saúde frágil, legou à sua filha grande respeito à pessoa humana e seu pai, Oscar, a característica de saber lidar com as ferramentas do trabalho e da vida.
Na década de 50 Beatriz muda-se para a cidade de Salvador, ficando sob os cuidados de sua tia Felicíssima e seu marido, Anísio Agra Pereira (Anísio de LogumEde, babalorixá) , na Avenida Ribeiro dos Santos na Sete Portas. Durante dezessete anos, Beata (como é conhecida desde a infância) foi abian de seu tio, que posteriormente falece levando-a a procurar Mãe Olga do Alaketu, que a inicia no candomblé para o orixá Iemanjá no terreiro Ilê Maroia Laji (Alaketu – Salvador).
Mulher que mesmo presa a princípios tradicionais em razão da influência de uma família patriarcal torna-se de vanguarda ao fazer cursos de teatro amador e participar de grupos folclóricos. Casa-se com Apolinário Costa, seu primeiro namorado, com quem teve quatro filhos, Ivete, Maria das Dores, Adailton e Aderbal Moreira Costa. Sua mãe Maria do Carmo antes de falecer tutela a filha a sua yalorixá , Olga do Alaketu.
Em 1969, Beata separa-se de seu marido e migra para o Rio de Janeiro em busca de melhores condições de vida para ela e sua prole, história comum a tantas outras mulheres negras nordestinas, o sonho da cidade grande.
Sem apoio da família consangüínea, é na família-de-santo que encontra acolhimento, a história se repete no sentimento de resistência do quilombo contemporâneo que reconstrói a auto-estima desta mulher negra.
Para as famílias tradicionais da Bahia da época, mulher separa era mulher de ninguém, ainda mais com quatro filhos. Canta-se um samba, um samba-de-roda baiano que “samba bom é de madrugada, mulher sem homem não vale nada”, por certo não se enquadrava nesse perfil a figura dessa mulher ímpar.
Cria seus filhos com muita dificuldade, porém de modo digno, exercendo várias funções para prover o sustento próprio e dos filhos, como empregada doméstica, costureira, manicure, cabeleireira, pintora e artesã.
Com todas essas atividades e uma jornada árdua de mulher negra nordestina e separada, estigmas fortes para a época, não esquece seus laços religiosos, atuando em várias comunidades de terreiro no Rio de Janeiro mantendo e preservando sua descendência ancestral religiosa negra.
Começa a trabalhar como figurante na Rede Globo de Televisão, atividade resultante de contatos já existentes em Salvador, onde participou da novela “Verão Vermelho”, filmada na referida cidade. Logo após, consegue trabalho como costureira na mesma empresa, onde se aposenta e mantêm contatos com amigos até os dias de hoje.
Entre as décadas de 70 e 80 Beata faz várias viagens a Salvador para cumprir seus deveres religiosos com a Casa de Candomblé na qual foi iniciada, visto que, mesmo atuando religiosamente em casas de parentes religiosos no Rio de Janeiro, seu cordão umbilical estava preso à sua casa matriz, precisava saciar sua sede na fonte.
Durante este espaço de tempo a yalorixá, Olga do Alaketu, tem importância fundamental em sua vida, aconselhando e acolhendo a filha que lhe foi tutelada pela mãe biológica, a figura da mãe ancestral se faz presente. Ao entregar Beata à Olga, Maria do Carmo dá o sentido de continuidade a figura maternal, a mãe africana que acolhe e sustenta seus filhos, característica ainda hoje preservada nas comunidades religiosas de matriz africana.
Em 20 de abril de 1985 Mãe Olga do Alaketu vem ao Rio de Janeiro outorgar a sua filha o direito de ser chamada de “Mãe”, mais uma vez o ciclo se repete, o Ilê Omi Oju Arô (Casa das Águas dos Olhos de Oxóssi) casa em que Mãe Biata passa a ter o cargo de yalorixá. Transmite à comunidade de forma natural toda essa experiência de luta, absorvida facilmente por todos, dando início à participação ativa em discussões sobre questões raciais, sociais e políticas, tendo maior atuação nas questões de gênero, com enfoque principalmente sobre as mulheres negras.
Assim como Beata recebe de seu pai e de sua mãe ensinamentos de vida, ela consegue propagar á sua comunidade religiosa os mesmos princípios. O Ilê Omi Oju Arô, comunidade na qual Biata é sacerdotisa suprema, atua em diversas frentes sociais: religião e saúde, luta contra qualquer forma de discriminação e contra a intolerância religiosa, cultura da paz, acesso à educação, ações afirmativas, saúde da população negra, movimento de diálogo inter-religioso, direitos humanos, movimento de mulheres negras e movimento negro.

Vejamos agora em detalhes a atuação dessa líder religiosa:

ATIVIDADES RELIGIOSAS E SOCIAIS

1985 – Fundação da Comunidade de Terreiro Ilê Omi Ojú Arô (Casa das Águas dos Olhos de Oxóssi) de Beata de Iemanjá, pela sua Yalorixá Mãe Olga do Alaketu, em 20 de abril, no bairro de Miguel Couto, Nova Iguaçu;
1987 – Sedia em sua Comunidade de Terreiro o Terceiro Encontro Regional da Tradição dos Orixás, em 15 de novembro.
1989 – Sedia em sua Comunidade de Terreiro o Décimo Encontro Regional das Religiões Afro-brasileiras em 28 de novembro.
1991 – Recebe da Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro moção honrosa e congratulação pela militância e resistência da Cultura, Religião, Cidadania e Dignidade da população Afro-brasileira. Recebe em 20 de novembro Diploma de Personalidade de Destaque da Comunidade Negra no mandado do Deputado Estadual Marcelo Dias no Rio de Janeiro.
1992 – Fórum Global – 92 - participa como cicerone e mentora religiosa no Encontro Mundial pela Paz – RJ. Inicia o Projeto Social Ação e Viver em 18 de maio – viabilizando a participação de jovens carentes da região e integrando-os á Comunidade de Terreiro. Miguel Couto, Nova Iguaçu. Recebe em 13 de maio Diploma de Honra ao Mérito da Prefeitura do Município de Belford Roxo – RJ.
1994 – Realiza no Ilê Omi Oju Arô dentro do Projeto Ação e Viver o Fórum de Debates “Cidadania x Violência”. Miguel Couto, Nova Iguaçu.
1998 – Inicia em julho no Ilê Omi Oju Arô o Projeto Comunidade Solidária do Governo Federal, capacitando profissionalmente na área de informática vinte e cinco jovens carentes da região e integrando-os à Comunidade de Terreiro. Promove em dezembro na sua Comunidade de Terreiro a campanha “Natal sem fome” com distribuição de roupas, brinquedos e cestas básicas à população carente da região.
1999 – Inicia em março a segunda turma do Projeto Comunidade Solidária capacitando profissionalmente jovens carentes da Baixada Fluminense. Miguel Couto, Nova Iguaçu. Realiza oficinas de percussão para jovens de Comunidade de Terreiro da Baixada Fluminense. Miguel Couto, Nova Iguaçu.
2000 – Comemora quinze anos da fundação de seu Terreiro intensificando as atividades sócio-culturais. Abril, Miguel Couto – Nova Iguaçu. Lançamento do Cd “Cantigas de Orixás”. Abril, Miguel Couto – Nova Iguaçu. Realização de oficinas de candomblé para não iniciados, universidades, escolas públicas, eventos culturais e turísticos. Abril, Miguel Couto – Nova Iguaçu.
2001 – Abertura do Rock in Rio, tenda por um mundo melhor.
2002 – Parceria com o Projeto Ató Ire – Saúde dos Terreiros. Parceria com a Ong Criola, que desenvolve projetos para mulheres negras. Lançamento do Projeto Oku Abo. Parceria com a Secretaria de Cultura de Nova Iguaçu. Recebe o Prêmio Orilaxé, do Afro Reggae. Rio de Janeiro.
2004 – Implanta em sua Comunidade de Terreiro o “Projeto Acelera Jovem” em parceria com o Viva-Rio, voltado para jovens entre 15 e 25 anos que ainda não completaram o ensino fundamental. Outubro, Miguel Couto – Nova Iguaçu. 2004 – Recebe o Prêmio Ossain. Novembro, Rio de Janeiro. 2004 – Participa da peça “Olhos D'água”, de autoria de Ismael Ivo que retratava a discriminação racial através das vivencias de três atrizes negras, uma delas Mãe Biata. Casa da Cultura de Berlim, Alemanha.
2005 – Recebe a Medalha de Mérito Cívico Afro-brasileiro, homenagem conferida pela Universidade da Cidadania Zumbi dos Palmares. Maio, São Paulo.
2007 - Mãe Beata de Iyemonjá recebe o prêmio Bertha Lutz no Senado Federal.

OBRAS PUBLICADAS

1997 – Lança em 30 de abril o seu livro de contos “Caroço de Dendê, Sabedoria dos Terreiros” - RJ.
2000 – Lança “Tradição e Religiosidade”, in O livro da saúde das mulheres negras.Org. Jurema Werneck. Rio de Janeiro.
2005 – Publica em o livro “As histórias que minha avó contava” – RJ


ENCONTROS, SEMINÁRIOS E CONGRESSOS

1988 – Conferência Estadual da Tradição dos Orixás – Debates Ecumenismo e Cultos Afros. Maio, Rio de Janeiro.
Encontro da tradição dos Orixás, Religiões Afro-Brasileiras e seus Adeptos. Setembro, Rio de Janeiro.
1991 – Feira do Livro Afro-brasileiro – Seminário Xangô, o mito herói africano no Brasil. Outubro, Rio de janeiro.
1992 – Seminário “Planeta Fêmea Ética e Espiritualidade: Mulher e sagrado no século XXI”. Junho, Rio de Janeiro.
Encontro “Médicas, bruxas e curandeiras ”. Outubro, Tibá Bom Jardim – Rio de Janeiro.
1994 – Simpósio sobre Cultura e Religiosidade. Setembro, Berlim – Alemanha.
Semana da Cultura Brasileira – Outubro, Berlim – Alemanha.
Religião e Resistência Cultural – Outubro, Berlim – Alemanha.
1995 – Seminário Ervas Medicinas como Terapia. Novembro – Rio de Janeiro.
Pot-pourrit de Saúde – Folhas, Fé e Cura. Novembro - Rio de Janeiro.
300 Anos de Zumbi – Memórias de Resistência. Novembro – Rio de Janeiro.
1996 – Vigília Inter-religiosa de Oração pela Paz e pela Vida. Outubro – Minas Gerais.
1997 - Seminário A Comunidade Afro-brasileira e a Epidemia do HIV (AIDS). Julho, Rio de Janeiro.
Seminário em homenagem a Paulo Freire. Julho, Rio de Janeiro.
Feira de Exposição Afro-esotérica do Rio de Janeiro. Setembro.
Seminário Superando o Racismo. Outubro, São Paulo.
Seminário Candomblés Ontem e Hoje. Outubro, São Paulo.
Jornada Lélia Gonzalez. Dezembro, São Luiz – Maranhão.
1998 – Fórum Espiritual das Religiões Mundial. Julho, São Francisco – Califórnia/EUA.
Seminário Internacional: Rota dos Escravos. Agosto, Brasília / DF.
Seminário African Amerindian Performances From Brazil . Novembro, Nova Iorque/EUA.
2002 – 1º Simpósio Internacional de Contadores de História. Maio, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro – PUC/RJ.
2004 – Fórum Cultural Mundial – Seminário A Casa Brasil África. Agosto, São Paulo.
2005 – IV Seminário Nacional Religiões Afro-Brasileiras e Saúde. Abril, Belém do Pará.
Encontro com o presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Nelson Jobim, em conjunto com mais quatro yalorixás para defender a constitucionalidade das cotas para a população negra na UERJ. Abril, Brasília/DF.
Encontro com o Procurador Geral da República, com o objetivo de reivindicar a implementação da Lei 10.639-03, que determina o ensino da História e Cultura Afro-brasileira nas escolas nacionais. Abril, Brasília/DF.
Encontro com a ministra Nilcéia Freire para a exposição das necessidades das mulheres integrantes das Comunidades de Terreiro. Abril, Brasília/DF.
Seminário Promoção da Igualdade Racial no Mercado de Trabalho. Abril, Brasília/DF.
2005 – Primeira Conferência Nacional de Promoção da Igualdade Racial. Julho/agosto, Brasília/DF.
2005 – Congresso Internacional de Tradição e Cultura Iorubá. Agosto, Uerj.
Sacerdote supremo do candomblé origem ketu-iorubá.
Pessoa que ainda não passou pela iniciação no candomblé.
Sacerdotisa suprema do candomblé de origem ketu-iorubá. 

(fonte: http://www.criola.org.br/)


Mãe Beata de Yemonjá, autora de Caroço de Dendê, oferece aos leitores um conjunto de contos representativos da tradição oral africana no Brasil, ainda muito pouca documentada como literatura. Nessas pequenas narrativas, a autora apresenta histórias que foram transmitidas através das gerações de escravos nas
senzalas do Brasil.
Mãe Beata de Yemonjá não se força a se distanciar daquilo que ela acredita para escrever. Pelo contrário, a autora só escreve porque vive todas as experiências retratadas nos contos, todos os dias. Sua vida é atribulada de afazeres ligados a religião e a luta por um lugar melhor dentro da sociedade. Caroço de dendê é um dos resultados desta luta, que leva para muitos
leitores o cotidiano de uma mãe de santo e de seu terreiro de candomblé, a inda muito distante de muitos. Sua obra é composta por várias especificidades do povo brasileiro e por isso carrega uma riqueza impar em cada conto.
Os assuntos tratados nos contos são variados: costumes das comunidades africanas, histórias de divindades e personagens ancestrais, fábulas, apólogos com animais, histórias de natureza religiosa em geral.
A tradição oral ainda é um assunto pouco debatido dentro dos estudos literários do nosso país. Propor uma discussão acerca desse assunto possibilita difundir a
produção literária de origem afro-brasileira e, além disso, discutir os alicerces da literatura, já que toda a literatura clássica que conhecemos, antes de ter o formato escrito, impresso, era, antes de mais nada, fruto da tradição oral. Por isso a pertinência dessa breve conversa,  que visa a buscar, na tradição afro-brasileira, material de cunho literário, como a obra de Mãe Beata de Yemonjá e, com isso, conhecer um pouco melhor a cultura que, entre outras, participou e participa na construção da nossa identidade nacional.
Beatriz Moreira Costa, mais conhecida como Mãe Beata de Yemonjá, é fundadora do Ilê Omi Oju Arô, em Miguel Couto no Estado do Rio de Janeiro, que segue a tradição do Alaketo, da Bahia, uma das perpetuadoras da história oral do povo negro no Brasil.
Além disso, uma escritora que busca na tradição africana e afro-brasileira fonte de inspiração para a criação dos seus contos, não só através de sua memória, mas também das experiências vividas por ela e de seus filhos-de-santo. Caroço de Dendê é uma compilação multicultural que traz em sua composição a mistura de valores, conceitos e ideologias impregnados no povo brasileiro. Tanto no que concerne à religiosidade, como também ao cotidiano social e cultural brasileiro.
Ao lermos os contos nos deparamos com uma riqueza tanto nas suas estruturas morfossintáticas como no seu conteúdo simbólico. Isto é, as histórias oferecem um passeio instrutivo pelo mundo, a um tempo jovial e severo, de diferentes tradições africanas, mantidas no Brasil, sobretudo, pelo trabalho das sacerdotisas e das contadoras de histórias, matriarcas e guias espirituais de suas comunidades, como mãe Baeta de Yemonjá. O livro é composto por quarenta e três contos curtos que causam no leitor, a cada leitura, uma reflexão. Entre mitos, fábulas e fenômenos religiosos como o sincretismo brasileiro, Mãe Beata cria e transcria os contos num linguajar de fácil assimilação, chegando perto da tradição dos contos clássicos infantis, isto é, os contos maravilhosos. O perfil dos contos se assemelha às antigas histórias que ouvíamos quando éramos crianças e é essa característica peculiar que faz dos contos de Mãe
Beata de Yemonjá tão especiais, já que hoje, na modernidade não encontramos mais contos como os Contos de Grimm ou de La Fontaine.
Todos os ensinamentos do candomblé são passados oralmente pelos mais velhos. Não existe um livro contendo todas as informações necessárias de que um filho-de-santo necessita para se tornar um membro da comunidade, a experiência do mais velho é passada para o mais novo e assim sucessivamente. Sendo assim, ao lermos os contos de Mãe Beata, percebemos a presença de um narrador participante que interage com os personagens e indica para o leitor os caminhos a serem percorridos. Esse narrador traz de volta o papel do contador de histórias, que se perdeu nos moldes
modernos da literatura de acordo com o autor Walter Benjamin, e até mesmo na nossa vida cotidiana, pois não há mais tempo para ouvir uma boa história. Mãe Beata viaja pelo mundo da fantasia misturando elementos reais e ficcionais, combinando sagas, mitos, adivinhas, ditados, casos-memoráveis e chistes, colocando-nos frente a frente com um mundo repleto de alegorias fantásticas, alegres e até mesmo, trágicas.
Os contos se dividem basicamente por assuntos que vão das fábulas até as relações entre homens e mulheres. Cada conto possui uma moral a ser descoberta pelo leitor no antigo molde “qual é a moral da história?”, intercalando contos mais divertidos com outros mais sérios e de cunho religioso. Porém, po demos encontrar, num mesmo conto, vários elementos distintos, como mitos iorubanos, sincretismo religioso brasileiro, a relação entre iyawo (iniciados) e orixás, entre outros.
Em contrapartida, alguns contos trazem uma temática central, como a relação entre o bem o mal, a importância da mulher como detentora do axé (origem, é a raiz que vem dos antepassados) ou até mesmo dos deveres que são concernentes aos adeptos do candomblé, que buscam incansavelmente o axé (força vital, energia, princípio da vida, força sagrada) dos seus orixás.
Através de um olhar mais atento da obra, da autora e do seu espaço, podemos concluir que além de ser uma bela escritora, Mãe Beata é uma experiente contadora de histórias, já que dentro dos seus contos encontramos aquela car acterística agradável do contar de histórias, características que mostram a voz humana em relevo dentro dos textos. Seus contos apresentam um tom didático e a voz do narrador prevalece em todos eles, levando-nos para um encontro com o aquele narrador que perdeu seu espaço como passar do tempo, que passa sua experiência através daquilo que ele narra. Mãe Beata, apesar de não se dar conta, atualiza o perfil do narrador clássico, pois devolve a ele as rédeas da narrativa.
Mãe Beata escreve como conta, trazendo para o interior das narrativas uma proximidade maior das personagens com os leitores, já que seu estilo se aproxima das tão famosas fábulas. Sua obra pode ser lida tanto por adultos quanto por crianças, pois as histórias contadas, sempre se valem de um elemento maravilhoso e uma lição que
pode ou não ser aprendida.
Mãe Beata transita extraordinariamente entre culturas diversificadas e seus contos refletem esse percurso. Autores como Stuart Hall e Homi Bhabha, chamam esse fenômeno de tradução cultural. Diante das questões tratadas pelos autores, podemos concluir que Mãe Beata é uma escritora traduzida, que leva para a sua escritura elementos culturais brasileiros e africanos, abrangendo o hibridismo afro -brasileiro em toda a sua complexidade.
Os contos vão além de uma simples escritura, já que cada narrativa aborda um elemento cultural brasileiro distinto. Com o auxilio dos antropólogos Pierre Verger e
Roger Bastide, concluí-se que a autora escreve de um lugar muito específico, o candomblé. Sendo assim, podemos dizer que Caroço de dendê é uma produção elaborada através da tradição oral, que Mãe Beata utiliza e tem contato em grande parte, por estar próxima de um terreiro de candomblé.
A cultura africana foi transmitida através da oralidade durante os séculos, até o próprio candomblé sobreviveu no Brasil através da oralidade. Mães e pais -de-santo passaram adiante toda a liturgia usando somente a voz. Até muito pouco tempo atrás, não havia livros que ensinassem uma cantiga, uma reza ou até mesmo como lidar com um orixá. Diante disso, o único meio de transmissão, utilizado pelos sacerdotes do candomblé era a oralidade. Hoje podemos achar alguns títulos que nos fornece algumas informações, porém, grosso modo, pois os grandes ensinamentos só são transmitidos depois da iniciação e através, somente, da oralidade. Sendo assim, concluímos que por ter sido criada envolta na tradição oral, Mãe Beata passou para o papel esse meio de transmissão de conhecimento, que elege a comunicação cotidiana, isto é, a língua falada, como mecanismo de construção ideológica, cultural e literária.
Caroço de Dendê, de Mãe Beata de Yemonjá oferece aos pesquisadores uma fonte enorme de conhecimentos e inquietações, tanto no que se refere à religião africana como também ao que se refere à tão estudada identidade nacional. Sua obra apresenta perspectivas que vão além da questão tratada por este texto e por isso deixamos sempre em aberto novas observações que levarão no futuro, a outras descobertas. No mais fica aqui uma pequena indicação de leitura que levará o leitor ao mundo da infância novamente, onde escutar uma boa história nunca era perda de tempo, ao contrário, sempre diminuía o caminho, rumo a tão sonhada e simples felicidade.  

(fonte: www.africaeafricanidades.com)

 



 

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